Pensamentos alinhavados

Pensamentos alinhavados
Colagem feita pela autora. Pormenor do Look 24 da Schiaparelli. (via @danielroseberry). Convite do desfile da Balenciaga (via @demnagram).

Esta edição é várias coisas e, principalmente, uma coleção de anotações - reflexões alinhavadas e pensamentos descosidos. Surge de uma entrevista com um subscritor do The Fashion Standup, num exercício do Business Class, em que este querido leitor me disse que gostava de ler mais sobre coleções badaladas da estação.

E, portanto, aqui estou eu, a tentar…

Algo similar a uma crítica de Moda?

Talvez!

Depois de ter escrito pensamentos sobre a estreia de Jonathan Anderson na Dior, no Instagram, lembrei-me que, ainda que me considere outside the box, os meus conteúdos funcionam melhor inbox do que em algoritmos…

Juntando a minha capacidade de ser nerd (mas não demasiado), alguns dos acontecimentos mais recentes e relevantes do Sistema de Moda e algum nonsense de notas escritas ou ditadas para o computador… Continua a ser necessária alguma ordem.

Ordem nestes dois tempos e realidades paralelas - o tempo em que escrevo e o tempo em que lês. Por isso vamos ter uma linha cronológica comum:

26 de Junho - Anna Wintour deixa de ser editora-chefe da Vogue americana, permanecendo na chefia global de conteúdo da Condé Nast e como diretora editorial global da Vogue.

27 de Junho - Estreia de Jonathan Anderson na Dior com o desfile de menswear - já falado no Instagram.

30 de Junho - É anunciada a produção da sequela do filme "O Diabo veste Prada"

4 de Julho - Balenciaga chega ao Substack - já abordámos no Instagram, mas continuaremos…

7 de Julho - Desfile Schiaparelli com a continuidade do trabalho de Daniel Roseberry.

8 de Julho - Último desfile da Chanel sem diretor criativo.

9 de Julho - Último desfile de Demna Gvasalia como diretor criativo da Balenciaga, ao fim de 10 anos.

9 de Julho - Chega a minha casa uma cópia da primeira edição da System Collections (que comprei).

13 de Julho - Esta newsletter/ensaio/post de blog - os tais pensamentos descosidos.

Agora que temos uma base, já a podemos desconstruir e criar anacronismo nesta narrativa. Porquê? Porque a minha experiência da Paris Fashion Week é digital, portanto menos atmosférica, mais fluida e muitas vezes em diferido.

Espero, futuramente, organizar a minha agenda para mudar este último aspeto. Mas por agora cá vamos nós….

Bobine de Ouro - até breve, Demna!

Uma caixa de joalharia preta que, ao ser aberta, revela uma bobine de linha dourada, partilhada em vários vídeos nas redes sociais, é o convite para despedida de Demna. Um convite que é uma verdadeira joia e cujo vislumbre causa mais arrepios a um fashion insider do que um anel de noivado… É a febre dos convites dos desfiles de Alta Costura como objeto de desejo a que regressaremos.

Esta coleção talvez tenha sido aquela onde vi mais Balenciaga por Demna.

Colagem feita pela autora. Balenciaga | Fall 2025 Couture: Look 1; Look 6; Look 35. Fotografias via Vogue App.

O designer georgiano continua a ter um papel ativista em desfile, ainda que este tenha sido o primeiro em que veio à passarelle agradecer.

A questão de se dizer os nomes de cada modelo, como banda sonora, não é mera escolha estética ou de preferência criativa. Trata-se, a meu ver, de, no meio da Europa e do mundo que parece regredir, haver que falar de pronúncias. Dizer: como é que eu pronuncio o teu nome? Como é que eu mantenho a tua identidade noutro sítio? Porque cada pessoa tem direito a esse pronunciar do seu nome, dito com sotaque próprio e numa forma de celebração.

Colagem feita pela autora. 10 anos de Demna Gvasalia na Balenciaga. Fall 2016 Ready-to-Wear: Look 12. Spring 2017 Ready-to-Wear: Look 43. Fall 2018 Ready-to-Wear: Look 7. Fall 2019 Ready-to-Wear: Look 65. Fall 2020: Look 9. Pre-Fall 2021: Look 36. Fall 2022 Ready-to-Wear: Look 69. Fall 2023 Couture: Look 51. Fall 2024 Couture: Look 24. Fall 2025 Couture: Look 32.

Balenciaga oferece-nos um desfile suave, mas não lento ou demasiado extenso… Numa continuidade do celebrar da passagem do tempo, da idade e das neurodivergências e condições que dela podem advir - de que é exemplo o casting de uma modelo com Parkinson's.

Uma das vantagens de ter começado, de certa forma, cedo na moda, é lembrar-me de determinadas coisas, por exemplo, a entrada de Demna para a Balenciaga em 2015. Lembro-me de um Demna que era celebrado como um génio, depois veio toda a confusão da campanha publicitária e - não é que não seja legítimo, mas de certa forma, não teremos cancelado o designer durante algum tempo?

Mas a verdade é que foi Gvasalia que tirou o nome Balenciaga dos livros de História da Moda e o trouxe para a atualidade, tal como Roseberry fizera com Schiaparelli. Com todo o respeito pelo trabalho prévio de Alexander Wang e de Nicolas Ghesquière na marca homónima ao couturier valenciano espanhol - Cristóbal.

Na minha ausência e um literalmente Coração independente

Com um coração literalmente independente - uma jóia em forma anatómica que pulsa mecanicamente, Roseberry cria "Back to the Future". Inspira-se nas vanguardas da Moda, na exploração de Coco sobre como a Moda podia servir a mulher em termos práticos e na descoberta de Elsa daquilo que a Moda pode ser do ponto de vista estético e existencial.

Um futurismo que homenageia um período que, segundo o designer norte-americano, no qual a vida e a arte estavam no precipício e se antevia o pôr da elegância.

Colagem feita pela autora. Schiaparelli | Fall 2025: Look 24; Look 1; Look 15; Look 6; Look 14; Look 24; Look 16; Look 20; Look 23; Look 27; Look 24. Fotografias via Vogue App, última via @danielroseberry.

No último parágrafo da sua memória descritiva, destaca um período na biografia da vida de Elsa em que estava longe da Moda… E que, num episódio específico que denota a personalidade da designer, passa por Lisboa:

É muito fácil idealizar o passado. É muito fácil ter medo do presente. Em Janeiro de 1941, apesar da guerra, Elsa volta a Paris - uma visita rápida, passa primeiro por Portugal, onde entrega, em nome da Assistência Franco-Americana à Guerra, 13.000 cápsulas de vitaminas ao ministro francês em Lisboa. Em Maio desse ano, apanha o avião de volta para Nova Iorque e volta a juntar-se a muitos dos seus amigos surrealistas e compatriotas que para lá também tinham ido procurar refúgio. Esta coleção faz-nos lembrar que olhar para trás não vale nada se não formos capazes de encontrar algo com sentido para levar connosco para o futuro.

A propósito da grande rivalidade da Moda, de Paris e da História da Moda - Elsa vs Coco. Portanto, vamos atravessar a Place Vendôme.

Na banda sonora do desfile de Chanel ouvia-se a expressão "na minha ausência". Na ausência de Karl e Virginie, na última coleção a cargo do estúdio de design da icónica marca, deixa-se uma página em branco… Uma nostalgia suave, sem dramas. Com laivos muito breves que se dissipam antes que o nosso cérebro os torne conscientes, da Chanel de Karl e da própria Coco.

É o fim de ciclo! Mas num timing muito Chanel. Vimos ideias de Coco dos anos 30 e de Karl dos anos 90…

Colagem feita pela autora. Chanel | Fall 2025 Couture: Look 3; Look 6; Look 30; Look 32; Look 37; Look 29; Look 46.

A repetição como signo de marca, sem ser repetitivo e mais do mesmo, em termos de coleções, é algo que tem de mudar no número 31 da Rue Cambon. Algo que Matthieu Blazy mudará… Antes da sua estreia, o convite para este desfile foi um livro comemorativo dos 110 anos de Alta Costura da marca, editado por Sofia Coppola… Objeto de desejo que chegará às livrarias em Setembro.

Importa lembrar o que distingue Chanel de qualquer marca da Kering ou da LVMH - não pertence a um conglomerado! Não há competição de que magnata é mais rico ou dança de cadeiras de diretores criativos.

Cápsula do Tempo

Voltando a falar em crítica de Moda, na nova System Collections, que pretende ser uma cápsula do tempo da Moda, muito se menciona a expressão "fashion critic". Pelo menos nas poucas páginas que já consegui ler - tenho a minha cópia há poucos dias. Se o dissesse em português - que sou designer e que faço crítica de Moda… Na variação europeia da língua, na aceção mais comum, pensariam que só digo mal do trabalho de outras pessoas.

Corro o risco de que me deixes de seguir de tanto falar desta publicação física… Mas vale a pena arriscar, porque não é um hashtag pub e porque voltam os suplementos dedicados às coleções de cada estação… Com densidade de escrita.

Em entrevista a Jonathan Wingfield, Cathy Horyn fala dos rumores que haviam sobre Demna - que se queria retirar da Moda, viver em Los Angeles e ser pai - poderão vir a ser reais num futuro assim não tão distante…

Algo que sempre me deu muito que pensar - se existe reforma na Moda, se estamos todos tão viciados nesta adrenalina que não sabemos parar e não o queremos fazer. E se realmente temos obrigação social de o fazer. De Coco Chanel a Diana Vreeland, de Karl Lagerfeld a André Leon Talley, de Yohji Yamamoto a Suzy Menkes…

Colagem feita pela autora. Anna Wintour fotografada por Karl Lagerfeld para "The Little Black Jacket: Chanel's Classic Revisited (2012). Cathy Horyn como modelo para Balenciaga | Spring 2024 Ready-to-Wear (Look 6) por Demna Gvasalia.

O mundo abanou com o anúncio da Vogue de dia 26 e não sei se foi, propriamente, felicidade o que se sentiu… Ou se a possibilidade de orfandade do Sistema de Moda a nível global. Quanto à hipotética reforma futura de Anna Wintour, não estará na mesma situação Miranda Priestly de triste solidão… E aqui não quero ser revista cor-de-rosa, mas vamos aos factos: apesar da editora inglesa norte-americana não ter redes sociais oficiais - não raras são as vezes que Bee Shaffer Carrozzini partilha fotos da sua mãe nos stories - não vemos a austera Anna, mas a avó e a mãe.

Desde o lançamento do filme "O Diabo Veste Prada", em 2006, existe uma cápsula de 20 anos de elementos que nos permitiram ir desmistificando a figura de AW. De documentários como "The September Issue" (2008) ao seu curso digital com a Masterclass e às entrevistas para uma edição impressa do The Business of Fashion e ao manual da Teen Vogue… Passando pelas aparições em eventos de ténis ou à amizade, feita pública no Met Gala, com Bill Nighy.

Mas a questão de fecho que vos quero deixar é se o mito d'"O Diabo Veste Prada" ainda faz sentido, neste 2025?

Ou seja, uma mulher com poder na área da Moda, não desvalorizando os relatos de ninguém, é diabolizada há anos. A mesma pessoa que, vocalmente, se opôs àquele que é atualmente o presidente dos EUA. Homem que, praticamente, controla o mundo, pondo e dispondo a seu bel-prazer e humilhando jornalistas, demais profissionais - seres humanos - e é gravado. Quais são os adjetivos que lhe são dados? Instável, imprevisível, sedento de poder, ambicioso, no máximo - mentiroso.

É o Zeitgeist que vivemos, mas a Moda sempre nos trouxe esperança. Veremos o que trará a entrada das Marcas de Luxo no Substack…

Os antecedentes são muito positivos…

Até breve!

Com amor,

Vera Lúcia