Vivienne Westwood - O Salto da Tigresa: Relógio ao Contrário, Moda Que Ensina a Pensar

Vivienne Westwood - O Salto da Tigresa: Relógio ao Contrário, Moda Que Ensina a Pensar
Imagem dec Capa

Ainda te lembras do que te disse na última edição? De como recomeçaríamos a falar da exposição "Vivienne Westwood - O Salto da Tigresa"? Eu sei que já foi há mais de uma semana, por isso, vamos lá relembrar (momento máquina do tempo):

Sabes que os contextos virão mais tarde - sim, vais ter de dar atenção à tua caixa de correio no entretanto. Recorda: o símbolo do Salto do Tigre era uma cartola; no Salto da Tigresa temos os sapatos que figuram na colagem de capa deste texto. Quando aqui regressarmos, será por aqui que começaremos.

Antes de cumprir a minha promessa tenho de te dizer de onde vem tudo o que vais ler a seguir. Porque, obviamente, não ocorreu por geração espontânea algures no meu sentido crítico. Como te contei, tive a magnífica oportunidade de integrar a visita destinada à imprensa que antecedeu a inauguração da exposição. 

E, confesso, que não foi fácil corresponder a mim mesma no desejo de captar toda a informação e tudo o que me rodeava. Gravar áudio e tirar fotos foi uma realidade. E, como tal, acabei por ter várias fotos desfocadas e trechos de áudio imperceptíveis. 

Mas como por aqui nada acontece apenas com uma única referência, mais uma vez tive sorte. A sorte de aceder ao jornal que acompanha a exposição com coordenação científica da curadora Anabela Becho e coordenação geral da diretora do MUDE, Bárbara Coutinho. 

Cartola, Sapatos e Genealogia do Pensamento

Na newsletter passada dei muitos saltos e acabei por ser incorreta na genealogia do pensamento da imagem dialética "O Salto do Tigre" que deu origem a "O Salto da Tigresa", que mais tarde rectifiquei.  

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Becho (2025) explica-nos como o pensamento de Walter Benjamin se relaciona com o trabalho de Vivienne Westwood: 

(…) a designer inglesa reinventou elementos da história do traje (…) É, por isso, um excelente exemplo da forma como a moda tem uma natureza transhistórica, apesar de estar sempre associada à busca pela novidade; referencia intencionalmente qualquer estilo do passado reinterpretando-o à luz do (seu) presente: a tipologia do vestuário mantém-se, mas a sua aparência é renovada ciclicamente usando elementos do passado. Referenciando o "salto do tigre", imagem dialética que entende o presente como um corpo ressonante do passado (Walter Benjamin, On the Concept of History, 1940)

O meu primeiro contacto com "O Salto do Tigre" não foi com o seu criador, mas por meio da obra de Ulrich Lehmann - "Tigersprung - Fashion in Modernity" - que li na disciplina de Teoria de Moda. 

Sendo a imagem primordial de divulgação da exposição uns sapatos e a imagem de capa do livro uma cartola, não consegui evitar fazer uma interpretação própria. Para mim, da cabeça que idealiza e reflete aos pés que nos levam a agir e a mudar. Na minha interpretação, estes elementos entre o Salto da Tigresa e do Tigre são simbólicos de que a Tigresa é mais ativista, é mais ação, questionamento, subversão.

O Relógio ao Contrário: Punk, Tempo e Identidade

A identidade não é exclusiva do ser humano, assiste também à Moda. Sendo esta temática da Identidade explorada pelo MUDE de várias formas e exposições como a "Portugal Pop". 

O trabalho da designer é exemplo da capacidade de reinvenção e recriação, idiossincráticas da Moda. Ao mesmo tempo que esta faz, interpreta o que a Moda é para si (Coutinho, 2025):

Para Vivienne Westwood, a moda foi uma forma de ativismo político, socioeconómico e ambiental através da qual foi desafiando normas e códigos sociais, em especial os papéis tradicionais de género, identidade e orientação sexual. As suas coleções questionaram ideias preestabelecidas e subverteram cânones e regras, emitindo mensagens que procuravam contribuir para uma intervenção pública que expunha, por exemplo, a inação política e empresarial face às catástrofes ambientais, o comércio de armas, os ataques aos direitos humanos, as prisões ilegais, as desigualdades socioculturais ou o Brexit.
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A identidade pode transparecer através do objeto cuja função é subvertida, como o relógio que trabalha contra-relógio na loja de Vivienne Westwood e Malcolm McLaren. Loja essa que assumia a identidade de cada coleção (Becho, 2025):

durante os anos do Punk quando, com Malcolm McLaren, criou uma moda de rua irreverente e crua, traduzindo a expressão deste movimento de rutura em peças de vestuário que concebia e confecionava integralmente em sua casa. Foi com McLaren que fundou, em 1971, a icónica loja do relógio que anda ao contrário (430 Kings Road, no bairro de Chelsea, em Londres); a cada nova coleção mudavam o nome da loja para se adequar ao conceito desejado: Let it Rock (1971-73), Too Fast to live, Too Young To Die (1973-74), SEX (1974-76), Seditionaries (1976-79), e por fim Worlds End, designação que permanece até hoje.

Anabela Becho: Ensinar a Ler a Moda

Com a ideia de transhistórica à luz de cada momento, Anabela Becho ensina-nos a ler a Moda, compreendê-la sem perceções em vácuo. Uma designer não existe sozinha.

Sendo frequentemente considerada criadora do Punk, talvez seja mais correto dizer que Vivienne Westwood era a personificação, o ícone do Punk. Uma vez que este movimento surge, também, das condições económicas e sociopolíticas vividas em meados da década de '70 do século XX em Inglaterra.

Vivienne ia, no seu léxico de referências, de Christian Dior à Belle Époque sem esquecer Charles Frederick Worth. Uma estudiosa da Moda, influenciada também pela Alta-Costura, que se sentia mais próxima da Moda quando estava em Paris, já que estava imersa nela.

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Como abordagem curatorial, o trabalho da designer é colocado em diálogo com a História e com outras designers, contemporâneas no sentido lato e não só. A História está presente em gravuras, livros e trajes do século XIX, com a colaboração da Biblioteca de Arte Gulbenkian e do Museu do Traje. Dando privilégio, na escolha de peças que formula a História da Moda e do Traje, a peças de produção portuguesa.

No núcleo Anglomania (nome da coleção Outono/Inverno 1993 de VW), os tartans são fio condutor, a chamada ao diálogo de Elsa Schiaparelli e Rei Kawakubo/Comme des Garçons. Westwood criou os próprios tartans, referência da forma como exaltava a tradição britânica. Batizou os seus tartans homenageando o atual diretor criativo da marca, ela própria e seu marido, e Paul Poiret - MacAndreas e MacPoiret.

Há que destacar o exaltar de designers mulheres quando a Moda é, cada vez mais, idealizada por homens. Kawakubo fundou a marca cujo nome pode ser um lema com múltiplas interpretações - Comme des Garçons ("como meninos"). Nas marcas Schiaparelli e Vivienne Westwood, homens sucederam diretamente a mulheres - as fundadoras. Três mulheres, três designers, três inconformistas, três iconoclastas… três punks.

Os diálogos que encontramos nos cofres do MUDE têm, pelo menos na minha interpretação ou opinião, impressas duas marcas características do contributo inestimável do trabalho de Anabela Becho no contexto da Moda em Portugal. Que marcas são essas? 

O espírito crítico ao olhar a Moda, uma prática pouco prática no nosso sistema, onde muitas vezes se opta por privilegiar em demasia as memórias descritivas dos próprios designers. Esta prática não permite que a mensagem de Moda cumpra o seu caminho, fica sempre na intenção do emissor, uma vez que não há interpretação por parte do interlocutor. 

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O completar progressivo da narrativa da Moda em Portugal, que é, geralmente, começada por meados do século XX, com destaque para a década de 80 em diante. Nesta exposição, a curadora quis demonstrar que a produção nacional no século XIX e início do século XX era de grande qualidade, havendo inclusivamente muitas modistas em Lisboa à época. Anabela Becho destaca também a escrita de Moda em Português, no mesmo período, principalmente pela mão de Almeida Garrett. Este aspeto é característico do corpo de trabalho da investigadora - como comprova "Viver a sua Vida - George Dambier e a Moda" (2022).

O que te inspira em Westwood?

Espero que tenhas gostado desta abordagem tão TFS à exposição "Vivienne Westwood - O Salto da Tigresa", na qual quis também acrescentar alguns laivos das minhas leituras e interpretações. Relembrando que a contemporaneidade não depende só do momento atual presente, é dependente das nossas interpretações e leituras do passado (Coutinho, 2025).

Ainda que já tenham passado duas semanas desde a minha mais recente visita ao MUDE, este tempo foi necessário para cumprir a missão do The Fashion Standup - ser um espaço de reflexão sobre Moda e não só de factos.  

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Sendo um projeto de Design de Moda, ainda que não na forma mais tradicional, talvez na forma de serviço, de experiência… É também ele um corpo de trabalho autoral, sobre Moda, usando as metodologias que aprendi e que me formulam como profissional - as do Design. 

Portanto, o bom Design é qualidade acima da quantidade. A própria Westwood relembrava que se devia comprar menos roupa, escolhê-la melhor e fazê-la durar. Pode parecer algo contraproducente, afinal tinha uma marca homónima. E as marcas vivem, em parte, de vendas, mas também de comunidade. E, acima de tudo, esta Mulher que personificava o Punk era fiel aos seus valores!

Esse é um dos fatores que mais inspiram no seu percurso e no seu ser e que este "Salto da Tigresa" me levaram a olhar e ver. Percebi que, ainda que, num primeiro momento, possa parecer incoerente o salto de uma semana de newsletter, já que a vejo como projeto e não side hustle, relembrei-me com Dame Westwood e esta perspetiva curatorial que a coerência mais importante é com a essência daquilo em que acreditamos.

A Tigresa da Moda britânica não se limitava a saquear, a piratear a História do Traje e da Moda - estudava-a fundo, até ao âmago, à modelagem de cada peça. Algo que me dá fôlego na continuidade desta abordagem à escrita de Moda.

E a ti o que mais te inspira em Vivienne Westwood? Que exposição teve especial impacto para ti, ultimamente? 

Podes partilhar as tuas perspectivas, ideias e pensamentos nos comentários, por email ou no chat The Fashion Standup (Substack).

Até breve!

Com amor, 

Vera Lúcia


Legendas 

Imagem de Capa -Colagem feita pela autora.Vivienne Westwood Gold Label. Sapatos. MUDE | Coleção Francisco Capelo. Primavera/verão 2000. Coleção Summertime. Seda brocada, pele. Vivienne Westwood (2011). Rune Hellestad / Corbis via Getty Images in LA Times. Vivienne Westwood. Botas. Outono/ Inverno 2000/2001. Coleção Winter. MUDE | Coleção Francisco Capelo.Vivienne Westwood. Outono/ Inverno 1981 - 82. Desfile coleção Pirates. David Corio/ Redferns via Vogue. Vestido (duas peças). Século XIX. Portugal. Museu Nacional do Traje.

Imagem 1 - Colagem feita pela autora. Vivienne Westwood. Vestido.Primavera/ Verão 1998. Desfile da coleção Tied to the Mast. Via First View. Preparação de exposição (foto: autora) vs Exposição finalizada (foto: MUDE). Vivienne Westwood. Vestido.Primavera/ Verão 1998. Coleção Tied to the Mast. Seda, metal, pedraria, algodão, tule.MUDE | Coleção Francisco Capelo. Vestido (duas peças). Século XIX. Portugal. Museu Nacional do Traje. 

Imagem 2 - Colagem feita pela autora.Vivienne Westwood. Saia, camisa, corpete e blazer. Outono/ Inverno 1995. Coleção Vive la Cocotte. MUDE | Coleção Francisco Capelo.Vestido (duas peças). Século XIX. Portugal. Museu Nacional do Traje.

Imagem 3 - Colagem feita pela autora. Elsa Schiaparelli (1937). Getty Images. Elsa Schiaparelli. Saia. Coleção de Alta-Costura Outono/Inverno 1947/1948. MUDE | Coleção Francisco Capelo. Vivienne Westwood (2011). Rune Hellestad / Corbis via Getty Images in LA Times. Vivienne Westwood. Casaco e Saia. Outono/Inverno 1993/1994. Coleção Anglomania. MUDE | Coleção Francisco Capelo. Rei Kawakubo (sem data). Timothy Greenfield. Rei Kawakubo | Comme des Garçons. Casaco e Saia. Outono/ Inverno 1999/2000. MUDE | Coleção Francisco Capelo.

Imagem 4 - Colagem feita pela autora. Vivienne Westwood. Botas. Outono/ Inverno 2000/2001. Coleção Winter. MUDE | Coleção Francisco Capelo. Corpo de vestido de menina. Século XIX. Portugal. Museu Nacional do Traje.

Imagem 5 - Colagem feita pela autora. Vivienne Westwood com T-shirt Destroy. 1970s. in viviennewestwood.com. Campanha da Coleção Tied to the Mast. Primavera/Verão 1998 de Vivienne Westwood. Fotografia de Gian Paolo Barbieri. Set de Robert Pinnicock. Styling de Anna Piaggi. Vivienne Westwood. Outono/ Inverno 1995-96. Desfile coleção Vive la Cocotte. via First View. Vivienne Westwood. Outono/ Inverno 1999-2000. Desfile coleção Showroom. via First View. Vivienne Westwood. Outono/ Inverno 1997-98.Vivienne Westwood. Outono/ Inverno 1997-98. Desfile coleção Five Centuries Ago. via First View. Vivienne Westwood. Outono/ Inverno 1993-94. Desfile coleção Anglomania. via Vogue.VivienneVivienne Westwood. Outono/ Inverno 2000. Desfile coleção Winter. via First View.Vivienne Westwood.Outono/ Inverno 1998-99. Desfile coleção Dress to Scale. via First View.Vivienne Westwood. Outono/ Inverno 1981 - 82. Desfile coleção Pirates. David Corio/ Redferns via Vogue.


Referência bibliográfica 

Coutinho, B. (coord. geral); Becho, A. (coord. cient.) (2025). Vivienne Westwood: O Salto da Tigresa [The Tigress’ Leap]. Lisboa: CML/MUDE — Museu do Design.


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