Vive la Mode - Notas da passerelle

Caso esta não seja a primeira edição desta newsletter que recebas ou leias, talvez te perguntes como passamos de “Dentro da bolha” para “Vive la Mode”… A questão é, relativamente, simples. Graças à Moda, mais precisamente à Semana de Moda da Alta Costura de Paris, os algoritmos das redes sociais e as próprias redes tornaram-se num lugar mais acolhedor e inspirador do que estavam a ser. Pelo menos, é essa minha convicta percepção.
Como já vimos, anteriormente, todos vivemos com imposter syndrome, até o Marc Jacobs… O meu, ultimamente, atormenta-me com a possibilidade de neste espaço estar a dar demasiadas perspectivas pessoais…
Ainda assim, há algo que aprendi esta semana, ao participar de uma palestra numa escola secundária para alunos de Artes Visuais. Podes partir da tua própria visão e experiência, tendo em atenção que tal não se transforme numa ego trip. Ter o “eu”como ponto de partida e ter o cuidado de dar ao “outro” algo que lhe acrescente ao seu léxico metafórico. Sendo a nossa humanidade aquilo que assegura que não tememos a AI e que com espírito crítico e emoção, os humanos serão humanos, e precisam de Moda, para vestirem o corpo e a alma.

Moda e a política da riqueza
Desde Dana Thomas a Amy Odell, abordam as propostas de Schiaparelli como sendo um perpetuar da “tortura” dos designers homens face ao corpo feminino… Mas vamos lá ver uma coisa, Elsa Schiaparelli não foi propriamente a designer da história da Moda conhecida por trabalhar em função do conforto feminino.
Por outro lado, a Alta Costura não é propriamente desenhada e idealizada para o consumidor final, mas para criar publicidade e promoção para a marca.
Competem pelo dinheiro de muito poucos e pela atenção de tantos, ou praticamente de todos nós.
Não sou menos feminista por admirar os corsets, espartilhos e estruturas de Roseberry. Para mim a ameaça não está aí, está em todas as mulheres que usam o seu voto livremente para arriscar os direitos que as mulheres já têm.

Juntando a opinião de Amy Odell com a info vinda do Daily Mirror, Chanel poderá ser apelativo às meninas ricas de Mar-a-Lago… Bem se a sociedade nos pôs aqui, as marcas faturam com isso. E não criam entusiasmo suficiente para abafar as conversas trumpistas.
Alessaandro Michele terá ido aos arquivos da Valentino para a sua primeira colecção de Alta Costura. Há quem diz em tom de crítica que Michele se inspirava na era isabelina e que a colecção passa a ideia de figurinos e não de Alta Costura. Bem, no caso da primeira premissa Isabel I de Inglaterra face à sociedade da época, e de alguma forma feminista. Segundo, o designer afirmou não ser um couturier e ter sempre tido no design de figurinos um grande interesse.

Acredito que ao mesmo tempo a Moda nos coloca um espelho à frente. É daí que vens? É isto que queres ser?
O dinheiro não mudou de lado, os valores de quem o tem foram legitimados. E para essas pessoas não precisam de storytelling para comprar. Flaccavento tem razão, basta mostrar riqueza.
Jacquemus traz a Alta Costura, e todas as referências da sua era dourada no período do pós-guerra, em 1947 com a criação do The New Lool até à Space Age dos anos 60. Simon ofereceu uma masterclass de como nos inspirarmos na própria Moda, mantendo a identidade da marca para a qual se cria bem presente. Ao mesmo tempo dá um toque de humor, e que pode ser interpretado como uma crítica social a um mundo a enlouquecer (going bananas) com um estampado de bananas.

Já sei o que estão a pensar, aparento estar a ser contraditória. Se consigo criticar certos rumos também consigo considerar que nos está a salvar e a dar-nos a dopamina que tanto precisamos. Devemos tentar equilibrar o entendimento da Moda com a sua dimensão, crescente, de entretimento e a sua componente técnica e know how que lhe dá forma, como a modelagem, o draping, a manipulação têxtil, os crafts e a própria costura.
Construir o que pisa a passerelle
Não sei se é defeito de designer, mas sempre fui fascinada com o processo que leva ao que pisa a passerelle, como o vídeo partilhado por Simon Portes de Jacquemus, no Instagram, do fitting do look 7. Sendo de acrescentar a tudo que já fora dito sobre Jacquemus, há que lembrar e referir a eximia modelagem dos materiais escolhidos.
Em Schiaparelli há que vislumbrar que todo o fausto apresentado tem por trás todo um processo que só o ser humano pode criar: aplicação de pedrarias em bordados, as camadas exageradas em folhos, os corset (que tem se olhar e ver que, na verdade, muitos deles são apresentados “a cair”)-

Sim, Dior apresentou crinolinas, crinolinas essas com aplicações de artesanato têxtil deslumbrantes. Sim, uma feminista pode gostar de trabalhar crinolinas, não querendo tirar o poder às mulheres, mas confrontar-nos com as que ainda não tem. E pegando, em inspirações, de universos de infância, não estará por meio da criação de beleza a confrontar-nos com tantas infâncias engaioladas?




Colagem feita pela autora. Créditos da imagem: Vogue
Copenhagen - Notas de Independência
O design em estado puro, para mim, está na independência. E essa independência por estes dias vislumbrou-se em Copenhaga.
Contudo, os algoritmos e os insiders favorecem a capital francesa… Algo também potencializado pela sobreposição de calendários. A semana de Alta Costura em Paris decorreu entre os dias 27 e 30 de Janeiro. Enquanto, em Copenhaga os desfiles tiveram lugar de 27 a 31 de Janeiro.
Se a maioria dos nomes que apresentam as suas ideias na histórica cidade gaulesa são amplamente sonantes tal não acontece no se refere à capital dinamarquesa, importa, ainda que não nos foquemos em cada um das coleções, mencionar todas as marcas e designers presentes.
Dito calendário foi composto por: ÓperaSport; Forza Collective; Birrot; Binnotje; Alectra Rothschild; Masculina; Stel; A. Roege Hove; Nicklas Skovgaard; Stamm; Deadwood; Won Hundred; 66º North; Rolf Ekroth; Alis; Aiayu; Herskind; The Garment; Skall Studio; Karmo; MKDT Studio; Henrik Vibskov; Caro Editions; Bemer Kühl; Baum und Pferdgarten; TG Botanical; Munthe; Filippa K; Marimekko; Fine Chaos; Gestuz; Han Kjøbenhavn Rotate e Stine Goya.
Ser-se independente do lado de quem vê e escreve a Moda obriga muitas vezes a vermos as colecções através de ecrãs, acompanhado deste formato de estudo vem, muitas vezes, os vislumbres das palavras de quem assistiu a ditos desfiles presencialmente. Neste caso, trata-se de Emily Chan e Lair Borrelli Persson, ambas correspondentes da app da Vogue.
Na capital dinamarquesa, os tons neutros contrastaram com cores vivas e várias pinceladas de cor-de-rosa pastilha elástica. É a prova de que as modelos famosas em dias de redes sociais não orbitam, somente, a Alta Costura, Lindsey Wixson a abrir o desfile de ÓperaSport.
Os tons neutros foram enaltecidos pelas texturas, manipulação têxtil e mohair escovado em The Garment, Binnotje e A. Roege Hove. Nesta última o styling terá ajudado a uma maior sustentabilidade da colecção, tendo um considerável número de looks com poucas peças por look. Os tons neutros e o preto aliaram-se ao streetwear com uma energia grunge e vários quês de Kurt Cobain.
Nicklas Skovgaard trouxe às tonalidades neutras e ao preto a vibração cromática, o azul praticamente Klein, o tal tom pastilha elástica, com laivos de quase kitsch muito entusiasmantes. Ainda que colorida e avidamente enérgica, a colecção de Caro Editions cria em mim um conflito interno em termos de percepção, não se me sinto mais atraída pelo todo que nos é apresentado ou se por aquilo que vestem as manequins.
Stine Goya faz-nos questionar os limites da peça de roupa e o prolongamento da peça para o corpo vestido e a relação com a natureza.
As mencionadas correspondentes de Moda (quando tanto se fala em correspondentes de Guerra) lembram-nos de valores intangíveis que tornam esta nossa ideologia (não só industria) bela. Como para Borrelli Persson o espírito jovem no sistema dever ser contagiante, como aquele que reconhece em Nicklas Skovgaard. Assim como, o facto de a Moda dever falar para toda a gente e em diferentes locais, num espectro alargado, como lhe recordou a descentralização da apresentação de Stine Goya. Emily Chan emocionou no desfile Rolf Ekroth ao ser recordada da resiliência necessária para se ser designer independente e que há que pesar todas as dificuldades, são esses os profissionais que mais amor entregam ao trabalho que desenvolvem.
Se tivesse feedback tanto da minha professora de Português quanto da minha professora de Inglês, do Ensino Secundário, deste ensaios, ambas diriam que não faço uma boa estrutura prévia deste textos e por isso é que nunca têm uma conclusão propriamente dita.
Na verdade, sempre odiei conclusões, por isso é que não as faço. Desta forma, a não conclusão desta semana é a seguinte: nunca deixes de acreditar no poder da Moda. A Moda nunca se rende.