Viggo Godfrid - Barbie & Alta Costura

Esta semana vamos falar sobre a Barbie e não, não vamos falar de Barbiecore ou da Margot Robbie. O tema desta edição é a marca Viggo Godfrid - uma marca de alta- costura artesanal que se dedica a vestir a Barbies vintage.
Para quem se possa questionar a relação desta marca com aquilo que foi delineado como sendo o foco da The Fashion Standup, a resposta é simples. Viggo é designer de Moda, formado pela London College of Fashion. E como não é só a formação que faz um designer - na sua marca aplica os princípios e processos do design de Moda. A Viggo Godfrid é uma marca e um negócio, que dá resposta a um nicho de mercado. Ainda que não sejam, para já, os próprios clientes a vestir as suas peças.
Durante o planeamento e pré-lançamento deste meu projecto passava grande parte do tempo no Instagram, a fazer networking e em busca de conhecer novas pessoas. Não tinha como objectivos que o Simon Porte me seguisse de volta. Queria descobrir os estudantes de Moda, os freelancers, quem está a começar, quem faz coisas muito interessantes há algum tempo e não é favorecido pelo algoritmo e sobre quem ainda não se escreve. E, assim, descobri esta marca e este incrível designer.
O trabalhar Moda em escalas diversas sempre me atraiu, ou pelo menos desde que soube o que era o “Théâtre de la Mode” - devia ter 12 anos quando ouvi este nome pela primeira vez numa conferência incrível no Teatro da Trindade em Lisboa. Ficam prometidos mais detalhes para quando escrever um ensaio de como foi crescer, em parte, na área da Moda.
O “Théâtre de la Mode” foi uma iniciativa de 40 couturiers franceses (nomes como Balenciaga, Schiaparelli, Madame Grès, Jean Patou, entre muitos outros) como mostra de resiliência face às dificuldades vividas no pós 2ª Segunda Guerra Mundial. À escassez de materiais e a uma economia debilitada estes ícones responder com bonecas, com uma escala de 1:3 e uma exposição que se tornaria itinerante e que foi inaugurada no Museu do Louvre a 28 de Março de 1945.

Portanto, para mim, diferentes escalas e Moda é uma equação de esperança e até de sustentabilidade.
Ao longo do meu percurso académico trabalhei em escala de 1:3, o que a certo ponto se tornaria um assinatura do meu processo criativo, mas nunca com o detalhe e precisão do protagonista deste artigo.
Viggo Godfrid vai mais longe, trabalhando à escala Barbie, de aproximadamente 1:6, com um cuidado e detalhe que me fascinaram. Assim, por DM de Instagram e vários e-mails, realizou-se a primeira entrevista desta espaço virtual.
Ou talvez, seja melhor dizer que, foi desta forma que o couturier da Barbie respondeu ao questionário da TFS:
Conta-nos um pouco sobre ti e sobre o teu trabalho.
Desde sempre, a arte tem sido uma paixão que me move. Frequentei o ensino artístico e, em seguida, entrei para faculdade de Artes antes de me mudar para Londres. Após o BA e o MA em design de moda e terminar a formação no London College of Fashion em 2018, tive a oportunidade de colaborar com diversas marcas. Infelizmente, descobri muitos defeitos na indústria pela qual estive tão apaixonado, no entanto, consegui descobrir o equilíbrio perfeito no meu trabalho, que me proporciona felicidade e realização profissional. Actualmente, colaboro remotamente com algumas marcas, onde cordeno a direção criativa e de design das suas coleções. Esta experiência também me permite direccionar a minha atenção para outras áreas da vida, incluindo o meu projeto com a Barbie.
Tu estudaste na London College of Fashion, correcto? Fizeste experiências com diferentes escalas enquanto estudante de Moda? Fala-nos um pouco sobre isso.
Enquanto estive na LCF, dediquei-me exclusivamente a uma figura feminina em escala real, e a ideia de transitar para uma escala menor nunca me ocorreu. Recordo-me de no meu segundo local de trabalho, um dos modelistas utilizou um pequeno manequim para desenvolver a saia de um vestido que estávamos a criar. Nesse espaço, focávamo-nos principalmente em peças de cerimónia, e percebi que era uma abordagem extremamente inteligente, pois ao trabalhar um toille de uma saia grande exigiria uma quantidade significativa de recursos materiais e tempo, de cada vez que fosse necessário fazer um novo “protótipo”.

Como é que começou este percurso de trabalho deste conceito “Barbie Couture”? Por que é tão especial para ti?
O meu percurso com a Barbie teve início no ano passado. Estava a assistir a um vídeo da Trixie Mattel no YouTube, onde ela falava sobre as diversas Barbies que teve, e, em particular, fiquei encantado com a parte dedicada às primeiras Barbies e à moda, que vestiam, do final dos anos 50. A partir daí, mergulhei em pesquisas através de criadores no YouTube e em livros. Percebi que desejava ardentemente ter uma Barbie número 3, e essa foi a centelha que acendeu a minha paixão, haha. Enquanto percorria as listagens do eBay diariamente, continuei a explorar as “primeiras modas da Barbie”, admirando a forma como eram elaboradas com tanta precisão e acabamento manual, no Japão, a escolha cuidadosa dos tecidos naturais para os designs e como esses mesmos designs eram inspirados nas coleções parisienses mais populares da época. Isso fez-me perceber que se tratava de uma imitação tão bela e artesanal da vida real, mas também me fez refletir que, a determinado momento, a Mattel adoptou uma abordagem mais fantasiosa e imaginativa para a Barbie. E foi nesse instante que comecei a sonhar com a ideia de resgatar aquele toque vintage do guarda-roupa da Barbie, que é tão realista, de alta qualidade e de bom gosto.
Viggo Godfrid é uma marca de Moda, trabalhas “made to order”? Em traços gerais, quem são os teus clientes?
Eu decidi criar duas coleções sazonais por ano, assim como a maioria das casas de moda. Entre essas colecções, também planejo desenvolver projectos especiais para e com os meus seguidores do Instagram, e espero que seja divertido para todos. Tens razão, também trabalho sob encomenda, mas opto por acrescentar o meu toque pessoal ao design que ofereço ao meu cliente, não gosto de simplesmente reproduzir a referência original; não quero fazer um trabalho de atelier (de costura), se me faço entender.
Os meus clientes são os maiores apaixonados por Barbie e outras bonecas, todos eles tão dedicados a colecionar e personalizar peças quanto eu sou a criá-las. Na verdade, sinto uma imensa alegria por ter iniciado este percurso e por me ter integrado nesta comunidade, uma vez que tive a oportunidade de conversar com pessoas de diversas esferas, incluindo aquelas que, embora não colecionem Barbies, apreciam o que faço. Por isso, sou profundamente grato.

Como descreves a diferença entre trabalhar para a escala humana e para trabalhar para a escala da Barbie?
A única diferença que existe é a quantidade de tecido e o tamanho dos moldes, haha. Agora, consigo criar um look completo com um pedaço de tecido de 20 x 20 cm. E não preciso de uma mesa inteira para cortar moldes. Contudo, isto traz desafios que muitas vezes não consideramos ao elaborar um design em escala real. Por exemplo, os moldes têm ser extremamente precisos; uma diferença de 1 ou 2 mm pode ser colossal! O mesmo se aplica aos tecidos; agora, sou levado a pensar neles de formas que antes não imaginava. Pondero sempre a espessura dos tecidos, se funcionariam para uma jaqueta ou saia específica, se cairiam da forma que desejo, se serviriam como forro, e se não tornariam a peça excessivamente volumosa. Talvez devesse fazer apenas a parte da frente e moldar à mão o “desfiar” do tecido, ou decidir entre um zíper ou botões de pressão. Pergunto-me se funcionariam para um véu ou se seriam demasiado macios, como poderia fazer pequenos laços ou uma boquilha... Estas são algumas das questões que enfrento ao desenhar para a Barbie. Além disso, estou sempre em busca de materiais e elementos que possam ser úteis, e essa busca também se revela bastante divertida.
Se não te incomodar a pergunta - este é o teu projecto a tempo inteiro, o teu empreendimento a solo na Moda ou é uma “side hustle”?
No momento é, devo dizer... o meu safe space. Mas também é algo que eu anseio ampliar e transformar em algo fascinante. Vamos descobrir onde isso nos leva.

Consideras-te um designer de Moda independente? Na medida em que esta marca é detida por ti, mas também tendo em consideração a definição de designer de Moda independente. Na qual muitos académicos defendem a ideia de que os designers de Moda focam-se mais na liberdade criativa e no equílibrio entre a vida pessoal e profissional do que no dinheiro ou lucro, só pelo dinheiro em si.
Vejo-me como uma designer de Moda, seja ao projetar para as marcas com as quais colaboro ou ao confeccionar pequenas peças para a Barbie. A diferença é que, com a Barbie, estou verdadeiramente imerso na arte; não estou restringido por orçamentos, compradores, clientes ou tendências. Tenho a liberdade de explorar diferentes estilos e épocas, e de dialogar com pessoas que valorizam essas expressões tanto quanto eu. Portanto, não, o dinheiro e o lucro não são o meu objetivo final e, nesse sentido, pode-se dizer que sou um designer de Moda independente.
És muito cuidadoso com a criação do teu conteúdo e fazes conteúdo lindo. Tens mais de 1500 seguidores no Instagram e, tal como sabemos, actualmente, o factor mais importante no marketing digital não é ter uma audiência gigante, mas sim uma de nicho e tido como alvo, que eu acredito que tu tens, também reparei que o teu feed mostra anúncios, focas-te na criação de conteúdos com uma forma de adicional de trazer capital à tua marca. Tens a questão da creators economy em conta?
Excelente pergunta. Tenho uma paixão por criar linguagem visual e sou cativado por todas as coisas belas, por isso dedico uma atenção especial ao conteúdo. Acredito que isso se alinha perfeitamente com o que faço atualmente e é uma forma maravilhosa de me conectar com os meus seguidores. Portanto, sim, estou a planear e a ansiar por futuras colaborações com criadores, assim como a desenvolver um estilo, para o meu conteúdo também, suponho.

Como percepcionas e descreves a tua marca relativamente ao contexto recente do sistema de Moda.
Eu diria que é uma marca de slow fashion consciente, enraizada nas melhores tradições do passado.
Como imaginas o desenvolvimento da tua marca se ganhasses a lotaria, mas só a pudesses usar para investir na tua marca?
Acredito que certamente investiria numa segunda modelo. Ainda não encontrei uma amiga morena para a minha loira número 3. Mas, falando a sério, sinto que convidaria mais pessoas a juntarem-se a mim para expandir a marca, talvez criando roupas de boneca com qualidade e estilo refinados. E então, quem sabe, se as pessoas apreciarem os designs e desejarem vê-los não apenas para bonecas, mas também para si próprias (e já recebi algumas mensagem de seguidores), poderíamos concretizar essa vertente.