Ressaca de Moda
Era para vos ter escrito entre segunda-feira e ontem, mas a queda de adrenalina foi tal que a minha energia era praticamente inexistente.
Depois de, na season passada, termos falado de como “Life is Fashion Week”, de como até o fuso horário gira em torno do calendário de desfiles, desta vez falamos da ressaca emocional que a Semana de Moda cria em nós.
Notas Iniciais
Este será o primeiro de uma série de pelo menos oito ensaios dedicados à edição Base da ModaLisboa | Lisboa Fashion Week. O nosso percurso começa com reflexões sobre emoções e relatos sobre o tempo entre desfiles.
Um texto será inteiramente dedicado à alfaiataria tradicional e artesanal portuguesa, à histórica loja Rosa & Teixeira e ao evento que integrou a programação “ModaLisboa na Avenida”.
Podendo ainda ser escrito um nono ensaio no qual será explorada a cobertura da LFW nas redes sociais e na TV.
Como parte da missão do The Fashion Standup, estes ensaios não terão qualquer paywall, rompendo assim com o sistema de intercalar 1:1 edições pagas e edições gratuitas, ainda que todos estes ensaios não sejam publicados seguidos, mas ao longo das semanas para que a boa vibe da ModaLisboa seja Base de inspiração durante o máximo de tempo possível.
No entanto, não colocamos o nosso modelo de base na creator’s economy em pausa. Faz o upgrade da tua subscrição:
A Minha Ressaca Emocional de Moda
Quando falo em ressaca emocional de Moda, tem a ver com assimilar vivências, inspirações, novidades e experiências que aconteceram intensamente num curto espaço de tempo. O entusiasmo gera uma energia semelhante a uma força invencível.
Mas que desaparece como o fim do efeito Cinderela na segunda-feira. Se bem que este estado sonâmbulo se anunciava quando acordava com o pijama vestido, mas com a roupa do dia anterior por entre os lençóis.
Indirectamente, as eleições autárquicas em Portugal também contribuíram para isto. Como? Normalmente, a LFW - Lisboa Fashion Week é a última do calendário de cada estação, na segunda semana de Março e Outubro. No entanto, sendo que Portugal teve eleições autárquicas a 12 de Outubro, Lisboa e Paris coincidiram as Semanas de Moda…
Portanto, ver imagens de desfiles enquanto se espera por desfiles é motivo para o cérebro fumegar alguns dias depois, quando o processamento está a decorrer em pano de fundo do dia-a-dia.
Design, Palavras e Moda
Cada edição de ModaLisboa é, obviamente, especial para mim, como já sabem, uma vez que é a grande protagonista da minha escrita. Mas na “Base” senti uma maior maturidade de mim na era de fashion substacker, que teve impacto em mim em três dimensões distintas - introspectiva, interpretativa e explicativa/compreensiva.
Dimensão introspectiva: ao conhecer um dos nomes sonantes da nova onda de crítica de Moda, num intervalo entre desfiles, fiquei lisonjeada de que, depois de tomar conhecimento do meu projecto, me convidasse para submeter um artigo à sua revista.
Contudo, a introspecção assentava na minha própria estratégia - estar só na minha plataforma ou também noutras? Mais tarde reencontrámo-nos num desfile que, para mim, fora lindo; para ele era “ok”. E eu percebi que a minha originalidade estava na independência das minhas perspectivas pessoais. Foi um momento aha.
Mais tarde, tornei-me consciente de que vejo mais e mais detalhes, signos e significados em cada look que desfilava perante mim. Assim como vou construindo linhas de pensamento sobre a evolução de cada designer e sobre as suas maturidades estéticas, constituindo a dimensão interpretativa.
As fashion weeks sempre foram lugar de encontro e reencontro da comunidade de Moda. Nesses reencontros, perguntavam o que estava a fazer profissionalmente… Aí entra a dimensão explicativa/compreensiva - compreender como explicar o que entendo como “fashion substacker”. Uma vez que não me considero escritora ou jornalista, mas sempre designer de Moda. E que o Substack ainda não é tão conhecido como o Facebook, o Instagram ou o velhinho Blogspot.
Já encontrar pessoas que fazem parte da comunidade do The Fashion Standup, mas que nunca tinha conhecido pessoalmente, não tem dimensão - é pura felicidade!
Frágeis Corações Costurados à Mão
Enquanto esboço o que virá a ser a versão final deste ensaio, leio no Instagram as palavras do fotógrafo Rafael Pavarotti, que diz algo como:
Para mim, as Semanas de Moda são sempre algo para lá do que acontece na passarelle. Trata-se de um organismo vivo, feito de camadas, emoções, exaustão, beleza e propósito.
Quando tantas pessoas se juntam com um mesmo desejo de se expressar, de sonhar e de criar, é impossível não sentir a magnitude de tudo isto. Estamos a viver tempos sensíveis, e a Moda ainda detém uma das ferramentas mais poderosas de que dispomos: a comunicação.
O que mais me emocionou esta estação não foi só o que vimos sob os holofotes, mas o trabalho invisível, o esforço incansável daqueles que raramente recebem ovações.
Esta story é para eles, para cada pessoa que trabalhou para lá de noites sem ir à cama, que mal parou para comer, que carregou o peso da pressão, dos prazos e expectativas e ainda encontrou forma de dar vida à beleza.
São a alma desta indústria.
É através da comunidade que tudo acontece, cada gesto, cada detalhe, cada sonho costurado em realidade.
(…)
Relembrei-me de que todos somos humanos, que a nossa indústria é construída por seres humanos com corações, limites e esperanças. Temos o dever de parar de nos desumanizar uns aos outros, devemos celebrar-nos, elevar-nos e proteger-nos uns aos outros, dado que o caminho a seguir é em conjunto.
Foi profundamente emotivo ver a generosidade, o amor e a unidade a terem novamente espaço, encontrar novos amigos, novas almas, artistas e sonhadores. Cada conversa, cada encontro, cada silêncio trocado está carregado de significado.
Somos todos pequenas galáxias que orbitam neste vasto universo criativo, ainda assim de algum modo movemo-nos como um.
(…)
Dizem as regras não escritas dos estudos quase nerds que não devemos fazer citações extensas. Estes excertos têm mais de trezentas palavras, mas todas necessárias.
De forma tão frequente, e tantas vezes injustificada, a opinião pública e a sociedade “glamorificam” e diabolizam a nossa indústria. Mas somos poetas sonhadores de tesoura ao peito.
Trabalhamos muito mais vezes sós do que em comunidade e é nas Semanas de Moda - e, no meu caso, na Lisboa Fashion Week - que encontro os amigos que são família: Moda e Amor.
E aqui, onde há quase uma década é a Base de tudo aquilo que sei e que, profissionalmente, sou ou melhoro para ser, em pequenos momentos reúne-se a comunidade do TFS.
Não há uma passagem da miúda feliz para a fashion substacker - estão as duas em mim.
A paixão, a dedicação e o amor à Moda, que tornam este país melhor, onde a Moda é sinónimo de resistência, liberdade e esperança, em Portugal têm vários nomes…
Chama-se…
…Eduarda…
…Joana, Graziela, António, Irina, Gabriela, Luís, Patrícia, Rodolfo, Carlos, Valentino, Beatriz, Ariana, Élio, Mariana, Inês, Xavier, Eva, Adja, Mafalda, Francisca, Roselyn, Ana, Nuno, José Manuel, Constança, Sara, Dino, Valentim, Bárbara, Çal, Lidja…
…e podia continuar.
Mas a ressaca de uma fashion week é saudade que chega de golpe. Porque a Lisboa Fashion Week é amor e casa.
Até para a semana!
Com amor,
Vera Lúcia