O Cérebro da Moda...Existe mesmo?

No início desta semana recebi uma notificação de um email de The Business of Fashion que não tinha como assunto Breaking News. Algo que vindo a ser tão comum, devido às constantes mudanças de directores criativos nas marcas de Moda do sector do Luxo, que já nem desperta curiosidade… Já a ausência da dita expressão fez-me abrir o e-mail. E assim, começou a desenvolver-se este ensaio.
Imran Ahmed, editor chefe do BoF, convidava a comunidade a testar a versão beta da ferramenta de AI generativa criada em parceria com a QuiltAI e alimentada com artigos da plataforma. Uma nova versão BoF - The Brain of Fashion.
Sendo uma versão Beta é natural que ainda existam aspectos técnicos a aprimorar. A compreensão de tal facto não quer dizer que tais observações não tenham lugar. Obviamente que o tempo de resposta desta ferramenta é maior do que os AI mais comuns e generalizados, neste caso comparo com o Claude, que é o serviço que uso.

Apesar de termos de ter conta profissional para podermos fazer perguntas ao The Brain of Fashion, este não guarda qualquer histórico de perguntas anteriores. As perguntas que fazemos ficam sempre numa única linha pelo que não podemos ver o início e o fim da questão em simultâneo. Para contornar a questão, o copy & paste não resultava e agora já é possível.
A várias das questões o BoF AI responde que não é capaz de responder ao que lhe foi questionado, o que nem sempre é verdade, dado que a informação que nos é dada em seguida é bastante informativa para uma hipotética resposta.
E como se organizam essas respostas? Podemos dizer que em cinco secções distintas: uma resposta curta, pouco mais de uma frase; vários tópicos numerados que explicam o contexto ou que a pormenorizam; um parágrafo de conclusão ou de sumário; nota de que tratando-se de Inteligência Artificial pode cometer erros e que as respostas devem ser confirmadas; uma secção de fontes: artigos, case studies, white papers, pessoas e empresas associadas à resposta.
A esta AI fiz cerca de trinta perguntas em diversos temas, todos relativos aos temas que costumamos tratar aqui no The Fashion Standup. Sendo mais consciente que o arquivo que alimentava este cérebro teria mais referências sobre determinadas temáticas do que sobre outras.

Fontes essas que podiam ser base para respostas contraditórias, o que tem necessariamente que ser um erro. Ainda que este seja apelidado como o cérebro da Moda, não faz previsões face ao futuro. É sensível à forma como formulamos a pergunta, ainda que não tenhamos que dizer nem por favor, nem obrigada. Está ainda pouco perdido na máquina do tempo, uma vez que quando lhe perguntei pela história do próprio BoF respondeu-me que era um projecto com 16 anos de existência, tendo sido criado em 2007 - isto porque o artigo no qual se baseava fora escrito em 2022.
E, ainda que pouco saiba sobre a Moda independente em Portugal, noutras latitudes, esta inteligência artificial dá que pensar à inteligência humana…
No que respeita à educação em Moda relembra-nos das lacunas, que vão sendo resolvidas por algumas instituições, relativamente à falta de valências em termos de gestão de negócios de Moda. Lacunas essas que encontram contraponto na resiliência quando se tornam designers emergentes e independentes.

São resilientes na capacidade de diversificação do cash flow inerente à falta de financiamento para o início, um mercado sedento da atenção dos consumidores, a que acrescem as complicações logísticas da cadeia e para com o retalho, entre outros… O que resulta muitas vezes em impacto negativo na sua saúde mental.
Quando questionada sobre as principais preocupações que afectam a saúde mental dos fashion insiders, dá-me não treze razões (como a série de TV), mas oito: os elevados níveis de stress; a cultura da comparação; falta de apoio nesse contexto no local de trabalho; impacto das redes sociais - necessidade de ser omnipresente neste meio; o sentimento de desconexão para com o local de trabalho; a falta de iniciativas que promovam uma boa saúde mental a custos acessíveis; a pressão para trabalharem de graça; e a necessidade não respondida de uma mudança cultural na indústria como um todo nesta matéria.
A pensar na própria saúde mental que muitos optam pelo solopreneurship - o empreendedorismo a solo e cujo sucesso se define com a escala de uma equipa, mas com uma equipa de um, o próprio. Esta opção permite um maior nível de independência na tomada de decisão, a criação de comunidades criativas sólidas e de troca de serviços de forma justa e equitativa.

Muitos destes criativos encontram o seu lugar tanto em plataformas digitais diferenciadas como o meu adorado Substack e nas Semanas de Moda independentes.
Eu e a minha nova amiga robótica falámos ainda de:
a crítica de Moda na era digital e como esta nova vaga de vozes pode contribuir para melhor o sistema;
do que une e do que aproxima o sector do Luxo e a Fast Fashion, assim como o que distingue as marcas independentes dos conglomerados do Luxo;
os múltiplos papéis que um designer de Moda de formação tem capacidade de desempenhar, escrita incluída;
a inclusividade de pessoas com deficiência nos vários sectores do sistema;
as competições de Design na nossa indústria - onde as não televisionadas têm um impacto muito mais expressivo no desenvolvimento de carreiras;
como o foco num nicho muito específico pode representar oportunidades de negócios em diversos modelos e formatos;
a ascensão da hotelaria como parceiro primordial da Moda;
como as tarifas Trump fragmentam a globalidade da indústria, do Fast Fashion ao Luxo, passando pelas marcas independentes;
as capacidades e desafios da própria AI generativa no que concerne ao nosso sistema e contexto.
Na minha opinião, uma AI para a Moda beneficiaria de ser mais conversacional, não de forma a substituir-nos nas nossas tarefas, mas como forma de nos apresentar um espelho às nossas ideias - como se pudéssemos ver aquilo que está na nossa consciência, de forma desconesa, numa perspectiva literalmente diferente. Porque esse espelho em forma de humano era um privilégio de se ser estudante de Moda. E nunca nada o irá igualar, mas pode ser uma bússola entre o sermos demasiado exigentes ou condescendentes.
E sim, modéstia à parte, é possível escrever um texto com interesse e recurso à AI é possível, porque saber pensar é uma skill - uma skill que se preserva, por uma questão de amor próprio.

Com AI ou sem ela há uma questão que nunca vamos responder de forma clara ou que aos olhos dos outros ou até aos nossos pareça saudável… Se reconhecemos tantos defeitos à Moda, se é tão difícil fazer dela vida, porque é que seguimos? A minha resposta seria porque dá sentido à minha existência e quero partilhar esse sentimento de que não precisas de encontrar o lugar onde te sentar. Só precisas de criar o teu lugar…
Qual é a tua opinião? Já experimentaste The Brain of Fashion? Em que medida achas que a AI será de facto pertinente e útil no quotidiano de quem trabalha em Moda?
Até breve!
Com amor,
Vera Lúcia