ModaLisboa Base - Dia 4

Hoje começamos com duas notas gerais sobre esta publicação e uma pergunta, antes de seguirmos para o tema deste ensaio.
Portanto, a primeira nota é algo que, muito provavelmente já sabes, a segunda nota é sobre um facto do qual já deves ter dado conta:
1ª Nota: Como sabes o The Fashion Standup não segue à risca o momentum de algo, prefiro prolongar dito momentum. Ou seja, a Semana de Moda de Lisboa aconteceu entre os dias 30 de Setembro e 5 de Outubro. Mas, por opção editorial, o último ensaio sobre edição Base da ModaLisboa será publicado até ao dia 21 de Dezembro. Prolongando-se assim o momentum por 11 semanas.
2ª Nota: Se houve um período em que os ensaios eram publicados entre sexta-feira e domingo, actualmente, vou experimentando a publicar a diferentes dias da semana. Isto que agora lês era para ter sido publicado ontem. Mas como a internet estaria demasiado ocupada com o desfile da Chanel, cá estamos hoje.
E agora segue a pergunta: Consideras o Substack mais uma plataforma de revistas em digital ou de newsletters?
Finalmente, chegamos ao tema de hoje-ModaLisboa Base, o dia 4.
Sexta-feira, dia 3 de Outubro, todos os desfiles tiveram lugar no Pátio da Galé. Assistimos à apresentação das propostas de oito jovens criadores, da consagrada marca Alves/Gonçalves, das jovens Francisca Nabinho e Bárbara Atanásio da plataforma Workstation - em desfile conjunto e, da marca de estreia da cantora Bárbara Bandeira na Moda com 2B.

Sangue Novo
Sangue Novo é a plataforma da ModaLisboa para o talento mais jovem, competição destacada pela 1 Granary em “The Fashion Prizes you can apply for in 2025” a par com o LVMH Prize.
Revemos Elio e Ariana Orrico, da Demo 25, desfile apresentação da coleção de final do primeiro ano do Mestrado em Design de Moda da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, que demostraram um claro update nas suas coleções.
Sendo o Sangue Novo um concurso anual, para a segunda parte do concurso, como finalistas, para além de Ariana Orrico, seguiram: Adja Baio, Mafalda Simões, Mariana Garcia e Usual Suspect.
O grande destaque dos designers mais jovens, gen Z, é o aliar da construção das peças às mensagens activistas das suas coleções.
Como Usual Suspect e a interpretação representativa de como o trabalho nos serviços, como os Correios, desgasta o ser. A inversão de papel apresentada por Elio, ser que deseja a ser que é desejado, quase objecto. Já Inês Almeida explora a questão dos sem-abrigo.
Na escrita de Moda, passou-se de um alinhamento extremo com as intenções dos designers a um multiplicar de opiniões. Onde focam os designers? Estão aqui!

Cabe-nos aos substackers, geeks, arquivistas colocar a sua visão em alta-voz, editar, organizar, sublinhar ou repetir para ficar perene. Daí que neste ensaio encontres mais citações do que é habitual. Da mesma forma que fizemos curadoria de imagens, fazemos agora de palavras:
Adaja Baio
“Pano de Pinti é uma coleção que reflete a identidade pessoal e cultural de Adja Baio, tendo o cabelo como elemento central da sua expressão.”
Ariana Orrico
“A coleção 75 nasce de uma urgência: libertar o corpo masculino da neutralidade visual que o limita.”
Do Cruzeiro Seixas Eva
“Antes que seja tarde demais, antes que se dissolvam os limites entre o que foi e o que será, o círculo permanece - sempre retorno, sempre casa.”
Elio
“É entre o mecânico e o íntimo que o corpo reaprende a ser visto.”
Inês Almeida
“A desinformação empobrece-nos.”
Mafalda Simões
“A coleção Daydream reflete a transição da infância para a adolescência, um espaço onírico entre a inocência e a consciência, celebrando o espírito imaginativo, sensível e resiliente desta fase da vida.”
Mariana Garcia
“Na topografia, a cota zero marca o ponto de partida, a base de tudo.”
Usual Suspect
“A coleção utiliza uniformes usados por si e pela sua família, mantendo as marcas de sujidade, rasgões e remendos como testemunhos das suas “marcas de guerra”.”

Francisca Nabinho e Bárbara Atanásio
Se visualmente, colocadas lado a lado, pelo menos em parte, aparentam ser polos opostos. Entre a sororidade alegre e jovial de Francisca Nabinho e os bad boys esmurrados de Bárbara Atanásio.
Parece demasiada informação num desfile conjunto, demasiado contraste… No entanto, conceptualmente, as emergentes e talentosas designers não estão assim tão distantes.
Ora vejamos o que diz Francisca Nabinho sobre a sua “A Alegria é a Coisa Mais Séria da Vida” na respectiva memória descritiva:
“Através da cor, da repetição rítmica e da força dos padrões, propõe-se que a alegria se manifeste como sentimento partilhado e transversal, assumindo-se como forma de resistência e como possibilidade de comunhão.
Deste modo, A Alegria é a Coisa Mais Séria da Vida não se apresenta apenas como título, mas como princípio conceptual. Tal como em Almada (Negreiros), a alegria é aqui compreendida enquanto atitude existencial e crítica, uma força ativa que resiste à adversidade e que se afirma como condição para pensar o presente e o futuro.”
De acto de resistência a anarquia, Bárbara Atanásio diz-nos o seguinte:
“A anarquia não é caos, é a dança orgânica de quem ainda não desaprendeu a sonhar. Chocam com vozes em assembleia livre na utopia inconstante de quem se recusa a esperar para viver. Brincam como ato político, jogam como manifesto e constroem terreno para erguer mundo novo.”
Ambas as designers mostram não só maturidade estética, apesar da carreira ainda recente. Usando a sua criatividade para agarrar a sua própria agência de mudança como geração de presente e futuro, que não olha para o mundo de braços cruzados.

Alves/Gonçalves
A beleza da construção das pregas, a leveza que passa mas fica. Assistir a desfile de Alves/Gonçalves não é sobre olhar e ver, nem sobre tentar — é sobre sentir.
Alexander Fury chegou a comparar que nós, os amantes de Moda, podemos ser tão emotivos e fervorosos a assistir a um grande desfile quanto os adeptos de futebol a assistir a um importante jogo… E é absolutamente verdade.
Uma coleção que nos transporta por entre as nervuras volumosas, volumétricas que criam espaço entre corpo e peça, podendo abraçar mais do que um tipo de corpo.
Quando comecei a ler sobre Moda, mais no inicio da década de 2010, escrevia-se muito para se referirem ao estilo de um designer “a mulher (nome do designer)”.
Portanto, permitam-me fazer isso para dizer que a mulher Alves/Gonçalves para a Primavera/Verão 2026 está mais moderna, mais intergeracional com um quê de rebeldia.
Terminado o desfile, penso que ainda não contei isto, encontro um relevante nome da nova vaga de críticos de Moda e, eis o meu espanto quando percebo que não se havia sentido arrebatado pela beleza da coleção e do desfile, como eu me havia sentido. Depois do choque inicial veio a compreensão de que por isso é que o usar da minha voz, para olhar a Moda portuguesa de dentro para fora, faz sentido.
Ao que acresce o facto de agora perceber que as diferentes leituras já eram expectáveis, à partida:
“Nesta conjugação, Alves/Gonçalves trabalha a tensão entre o artificial e o natural, revelando uma coleção aberta a múltiplas interpretações e leituras no tempo presente.”

2B
Descontruir intencionalmente, prolongar a visão artística de Bárbara Bandeira são alguns dos objectivos da 2B. A marca define-se como:
“2B é mais do que Moda: é vestir como ato de criação, onde o estilo se liberta de convenções e se afirma na autenticidade.”
A primeira coleção divide-se em oito actos distintos: Génese, Fluxo, Ímpeto, Vibração, Dualidade, Insurreição, Labirinto, Manifesto.
No panorama internacional é comum celebridades - da música ao cinema, passando pelos reality shows ou pelas influencers - lançarem-se na Moda com marcas ou colaborações.
Há muito pouco tempo a influencer ítalo-brasileira Vicky Montanari lançou uma colaboração com a marca portuguesa Parfois.
Meios de comunicação portugueses referiram as críticas que surgiram, principalmente, nas redes sociais, aquando do anúncio do calendário da mais recente edição da Lisboa Fashion Week, mas faltou-lhes texto.
Com todo o respeito por jornalistas que terão escrito diversas peças e por cada pessoa nas suas opiniões.
Mas permitam-me que a “Substacker de Moda com MA em Design de Moda” aka eu vos relembre que devemos procurar fundamentar as opiniões. Já aquilo que se escreve, se não for numa publicação independente, não terá caracteres suficientes para o fazer.
O que quero eu dizer com tudo isto? Que ainda que muitos de nós, Gen Zs, o saibamos, há factos dos quais não temos memória no que concerne a relevantes factos da História da Moda nas últimas décadas.
Antes de ser a designer de Moda que senta Anna Wintour junto da sua família na front row dos desfiles da sua marca homónima na Paris Fashion Week, Victoria Beckham era cantora. Era a Posh Spice da girl band britânica Spice Girls.
Muito antes de The Row ser uma marca de quase culto nas redes sociais - na maioria por não permitir que os seus desfiles sejam fotografados ou filmados pelos convidados - as irmãs Olsen também não eram designers. Muito antes de existirem redes sociais, Mary-Kate e Ashley foram actrizes, protagonistas de várias comédias juvenis.
E a lista continua, mas os exemplos mais relevantes já estão dados. Sendo ávida defensora do Design de Moda como disciplina, não foi em vão que dei o exemplo de Vicky Montanari X Parfois. Montanari fez claras referências à equipa de design da marca–não ocultando o óbvio trabalho de equipa. Assim como Bárbara Bandeira não teve um designer de Moda fantasma, mas um parceiro bem visível. João Morais tem formação em Design e acompanhou Bárbara tanto na passerelle como em entrevistas.
Acima de tudo que se voltou a reforçar, neste dia, é que a Moda em Lisboa é intergeracional, integra e inclui-a e é composta por muito poder criativo no feminino.
Que citação ou imagem mais te inspirou?
Até para a semana!
Com amor,
Vera Lúcia


