Fast Talks (about Fashion) - Da Herança à Independência
ModaLisboa Base | Lisboa Fashion Week - Dia 2

A base do ensaio desta semana é a 26ª edição das Fast Talks. O palco desta edição de 1 de Outubro de 2025 foi o mesmo das conversas que debatiam “Fashion Today” a 8 de Março de 2013 - o auditório do MUDE. Então denominado “MUDE - Museu do Design e da Moda” e atualmente, “Museu do Design”, reconhecendo a Moda como parte do Design, mas também ela uma disciplina de pleno direito. Que a diretora do museu Bárbara Coutinho deixou inerente no seu discurso inicial.
Ao longo destes 12 anos, as Fast Talks têm dado espaço a painéis transversais com empresários, designers e demais agentes - como relembra Eduarda Abbondanza.
EA, a figura maior da Moda portuguesa, assim como presidente e fundadora da Associação, abre cada edição das Fast Talks com discursos certeiros, concisos e imensamente inspiradores. Do mais recente, destaco a frase:
“Que a ModaLisboa possa ser a Base do vosso futuro.”
- Eduarda Abbondanza
Para que possamos falar dos painéis de diálogo e reflexão da ModaLisboa Base, há que dizer que escrevi tantos apontamentos à luz ténue do auditório. Isso fez com que perceber a minha caligrafia alguns dias mais tarde fosse árdua tarefa para mim. Assim há o dever de alertar que este ensaio resulta da descodificação dessas notas.
E como obviamente tirar notas não é redigir uma transcrição do acontecimento, o que escrevo sobre o que é partilhado pelos oradores não são citações absolutas. Mas também não deixam de o ser… Talvez se enquadre em paráfrases com notórias alterações de estilo. Talvez seja este o estilo de conteúdo escrito do The Fashion Standup.
O que sim são citações, nomeadamente do site da ModaLisboa, são as notas biográficas dos oradores. Porque, obviamente, sem notas biográficas precisas e concretas, este ensaio não teria contexto… Correndo o enorme risco de se assemelhar a umas calças acidentalmente sem cós.

Da herança…
Discutir a herança teve, ou assim percepcionei, mais nuances do que o painel que lhe seguiu. “Crafting the Base: Reframing Heritage to Contemporary Design” teve Rui Maria Pêgo como moderador e Guta Moura Guedes, Isabel Costa e Olga Noronha como oradoras.
Rui Maria Pêgo
“Rui Maria Pêgo. 36 anos. 17 deles passados entre a Rádio, o Teatro e a Televisão.”
“Entrou na ModaLisboa pela primeira vez aos 15 anos, e desde aí não parou de voltar.”
Guta Moura Guedes
“é curadora, designer estratégica e gestora cultural, tendo como missão afirmar a cultura como pilar essencial de uma sociedade sustentável e igualitária.”
“Cofundadora da Experimenta em 1998, é sua Presidente desde 2000, sendo responsável por toda a atividade da associação.”
Para Guta, herança é olhar para trás, para o passado, mas com um olhar de curiosidade. Não sendo o olhar para trás um conservar “em formol”, é olhar e entender. Entender o outro com inclusividade. Estando a herança interligada à ideia de pertença, sendo o respeito pela herança dos demais e das heranças das áreas paralelas à nossa um pré-requisito.
Reparem que foi utilizada a expressão “inclusividade” e não “inclusão”. Porque a inclusividade tem, a meu ver, intrínseca a ideia de atividade, de agir e de ação.
Face ao risco que a memória coletiva corre, relembra que temos de saber o que fazer com o corpo de conhecimento e transformá-lo para a atualidade. E o design é charneira.
E ainda que não seja uma parte central do nosso país, os portugueses olharem para a memória como oportunidade, ressalta que há muita gente que o faz. No entanto, a reinvenção é uma marca portuguesa.
Não obstante àquilo que ainda pode e deve ser feito, a grande questão ou, na verdade, necessidade é o forçar do Design nas esferas de poder. É preciso arranjar forma de o fazer. De que o Design, que é caixa de ferramentas pronta a utilizar, esteja próximo de quem tem o poder da tomada de decisão.

E este Design, que é inerentemente pragmático, é o que poderá trazer para cima o artesanato, dando-lhe a sustentabilidade de que precisa. Pois, segundo a designer estratégica, não somos um povo impulsionado pelo componente financeiro.
Temos de nos saber vender melhor. Precisamos de comunicar melhor o nosso valor.
Isabel Costa
“Durante 20 anos integrou a Sonae Distribuição, onde assumiu diversas funções, sobretudo na área comercial, chegando a Membro do Conselho de Administração.”
“Em 2011 tornou-se empreendedora, criando projetos de regeneração económica e cultural no interior do país, com destaque para a Burel Factory, que recuperou uma antiga fábrica de lanifícios em Manteigas (…)”
Isabel Costa destacou o facto de ser empresário em Portugal ser muito mais complexo do que possa parecer. Principalmente quando se está perante um projeto de missão e de responsabilidade, como é a Burel. Responsabilidade de trazer inovação ao conhecimento, de não deixar morrer o artesanato cada vez mais fragilizado.
A Burel e Isabel tomam para si a responsabilidade de agir perante o património e arte que morre em Portugal, com o envelhecimento de cada artesão.
Sendo que o artesanato se alicerça ao Design, mas ao levar pessoas ao coração da Serra da Estrela e ao trazer máquinas praticamente centenárias para o operar do aqui e agora, ainda que seja missão que beneficia a sociedade, é uma aventura para quem empreende.
Mas uma aventura que Isabel Costa assegura valer a pena.
Olga Noronha
“é artista plástica, designer e investigadora, doutorada em Investigação em Design pelo Goldsmiths College, University of London (2017), após licenciatura em Joalharia pela Central Saint Martins.”
“Criadora do conceito Joalharia Medicamente Prescrita® (2011), desenvolve uma prática artística que cruza ciência e arte, unindo a robustez do tecnológico à delicadeza da matéria, e reimaginando o corpo humano através de objetos escultóricos.”
Olga tem na herança e na saudade uma caixa de Pandora que lhe permite materializar aquilo que não é possível verbalizar. Podendo ser um peso ou uma libertação.

Sendo que tanto o pai como a mãe de Olga são médicos cirurgiões, os blocos operatórios, materiais médicos e tudo o que rodeia a medicina nunca foram para si novidade. Algo que sempre a fascinou foi o fenómeno psicoterapêutico, cujos resultados se manifestavam pelos benefícios na recuperação dos pacientes dos seus pais ao terem uma relação com os médicos que os tratavam.
Quando no último ano da sua licenciatura devia dedicar-se a um projeto pessoal, usa esse conhecimento relativo ao fenómeno psicoterapêutico e alia-o ao trauma de infância com agulhas. Fazendo assim terapia de exposição trabalhando com agulhas, durante praticamente um ano letivo completo, como joias. Assim nasceu a Joalharia Medicamente Prescrita®.
...à independência.
Bem alinhada a Base em torno da herança, o que se desenhou em torno da independência foi mais conciso mas igualmente poderoso. De “Branding the Base - A new strategy for independent businesses” fizeram parte Carolina Santos, Federico Poletti e Mariana Matos, de novo com moderação de Rui Maria Pêgo.
Carolina Santos
“arquiteta formada pela FAUP, cofundou a Alameda Turquesa com a mãe, criando uma marca portuguesa de calçado e acessórios de luxo que rapidamente alcançou reconhecimento internacional.”
“Desde que Anna Dello Russo descobriu a marca no Facebook em 2015, a Alameda Turquesa tem sido presença constante na imprensa internacional, com destaque regular em publicações como a Forbes e a Vogue.”
Alameda Turquesa nasceu da sagacidade acidental de um post de Carolina no Facebook. Ali mostrava à audiência do seu blog de então as suas pulseiras de pompons. As pulseiras tinham sido feitas para Carolina e para a sua irmã pela sua mãe, mas surgiram muitos hipotéticos clientes.
Das pulseiras vieram as sandálias e o interesse de Anna Dello Russo. E um ano de dedicação plena da parte de Carolina para ver se a marca resultava. Resultou e muito bem. Mais de uma década depois do editorial de Dello Russo, Alameda Turquesa é uma marca consolidada e que cresceu de forma sustentada.
Carolina defende que o crescimento de uma marca deve ser sempre consciente para que se mantenha independente.

Não é capaz de traçar uma receita para o sucesso, uma vez que tudo foi acontecendo com bastante naturalidade. Ainda assim, acredita que se deve ter lata. Tratar qualquer cliente da mesma forma que trataríamos a mais importante das editoras ou buyers.
Federico Poletti
“é um profissional de Arte e Moda cujo percurso cruza academia, curadoria e direção criativa.”
“É também fundador da NEXT GEN, plataforma dedicada a apoiar vozes criativas emergentes, e exerce funções de Scientific Leader no curso de Marketing e Comunicação de Moda do IED Moda Milano.”
Poletti destaca a importância da educação, no sentido académico. Havendo uma necessidade de alterar a forma de educar os alunos que precisam de aprender soft skills, para que a futura geração possa ter um forte espírito crítico.
Não delineia mapas para o sucesso. Há que tentar, há que arriscar. Deixando claro que a Escola (de Moda, claro!) deve ser um espaço seguro para falhar sem culpas.
Sem esquecer a armadilha que as grandes marcas podem representar para a criatividade. No sentido de que pelo seu prestígio são locais de trabalho desejáveis para os designers recém-formados, mas que na verdade produzem ideias em série.
Vê a independência no futuro tendo por base a convergência de diferentes pontos de vista em torno da interseção de Moda, Marketing e comunicação, com a intervenção da nova geração de professores.
Mariana Matos
“Licenciada em Design de Moda pela FAUL em 2015, trabalhou como freelance Technical Designer, e Contributing Writer para a Principal MODAPORTUGAL, e ModaLisboa.”
“integrou a primeira equipa de sales da Parlamento Lisboa, contribuindo desde então para o seu crescimento em várias frentes: comunicação, direção criativa, special projects (merchandising, pop-ups, colaborações) e comércio online. Atualmente, assume os cargos de Buyer e General Manager.”

Para Mariana, existe cheiro a autenticidade numa marca. Não havendo por isso “falsa autenticidade”. Sendo consciente de que o início de uma marca independente é muito complicado e exigente, considera que o esforço the extra mile de aparecer e de estar cara a cara para vender a própria marca compensa.
Não duvida que o reconhecimento da janela de oportunidade por parte de uma marca, assim como a origin story da mesma podem fazer e fazem toda a diferença.
Afirma, sem reticências algumas, que não há nada de bom ou sexy em ser-se grande, enquanto marca. Ser pequeno dá liberdade. E quanto mais independente, melhor.
Reflexões nas margens
Este subtítulo é bastante literal. Tratam-se das reflexões ou auto-reflexões nas margens das anotações.
A frase de Eduarda Abbondanza que destaco no início do texto foi emocionalmente emotiva, porque a ModaLisboa é a Base efetiva do meu futuro. Não só porque sem ModaLisboa, não haveria Moda em Portugal. Mas foi também o facto de estudar a ModaLisboa | Lisboa Fashion Week que abriu, para mim, caminho para este projeto.
Isabel Costa levou-me a refletir sobre missão. O The Fashion Standup como missão, assim como a Moda como missão e missão de vida.
Senti-me identificada com o sentido do peso de responsabilidade descrito por Olga Noronha, que sentimos em determinadas matérias de estudo. Também senti e sinto a responsabilidade ao escrever sobre a ModaLisboa. Não é uma responsabilidade auto-imposta, muito menos imposta ou suscitada por terceiros. Simplesmente aparece.
Ao ouvir Federico Poletti falar da importância de contar as estórias da Moda, porque precisamos de Moda e não de mais coisas produzidas, senti validação. Talvez o melhor contributo que posso dar à Moda seja efetivamente estar nesta plataforma que desponta, como uma das únicas substackers de Moda Portuguesa.
Encontrei ainda, que com fortíssimos indícios de plágio, um ótimo template de biografia nas notas biográficas de Rui Maria Pêgo que citei. Template que aplicado a mim seria algo assim: “Vera Lúcia Mendes. 25 anos. 14 deles dedicados à Moda. Entrou na ModaLisboa pela primeira vez aos 11 anos, e desde aí não parou de voltar.”
E como nunca haverá Moda sem Liberdade, nem Democracia, há que ter presente a seguinte frase dita por Guta Moura Guedes:
“O meu Portugal não é um Portugal de medo.”
As Fast Talks são prova viva, entre muitas, da génese pioneira da ModaLisboa | Lisboa Fashion Week em termos globais.
E tu, qual é a tua perspetiva sobre a necessidade e a ação efetiva do pensar e falar a Moda?
Talvez ainda não te tenhas apercebido, mas o The Fashion Standup vai lançar-se no áudio com o Voices Notes, em exclusivo para subscritores pagos, em breve. Por isso, fica atento/a e subscreve ou faz o upgrade da tua subscrição, para não perderes a primeira edição deste novo formato.
Até para semana!
Com amor,
Vera Lúcia


