Café com Aakanksha: Tradição Tecida entre Continentes

Cá estamos nós outra vez com mais um ensaio, onde conhecemos outro membro fantástico da comunidade The Fashion Standup. Desta vez viajámos até à Índia pela “Zoom Airlines” para nos encontrarmos com Aakanksha.
Uma rapariga que terminou recentemente a licenciatura em Moda e já começou a concretizar os seus sonhos. Regressou à Austrália, onde passou parte da adolescência, e foi para lá que decidiu voltar para partilhar o seu conhecimento, especialmente no que toca às técnicas artesanais tradicionais.
A sua paixão pela moda começou pelas cores vibrantes e pelo artesanato. Pelo caminho, a sua educação vai se completando em diferentes aspectos da indústria da Moda. Foi essa necessidade de conhecimento alargado que a levou, por exemplo, estudar comércio como disciplina opcional no secundário, para compreender melhor como é que a moda funciona do ponto de vista dos negócios.
Conversamos sobre muita coisa, mas para este ensaio e para o Substack, focamo-nos na moda. Tal como fizemos em “Café com Daniela: Perspectivas que vão mudar a forma como vês a indústria”, omitimos as perguntas para que se destaquem as perspectivas de Aakanksha. Desde networking até aos planos que tem para o seu futuro na Moda, passando por outros temas, como a importância do artesanato tradicional, a influência global, a moda como linguagem universal, e muito mais.
1 - Networking
Não tenho partilhar o meu trabalho para os meus amigos. (…) Mas sabes, é sempre incrível criar laços com pessoas que têm experiências completamente diferentes, que vêm de contextos diversos e que não cresceram no mesmo ambiente que eu.
A moda é verdadeiramente global, e não devíamos restringir a partilha do nosso trabalho com o nosso círculo mais próximo.

2 - Ser Criadora - um solo na Moda
Há todo o trabalho criativo… Tens de manter a qualidade, tens de acompanhar as tendências. Depois há a parte das redes sociais. Precisas de garantir que estás a estabelecer as conexões certas. E depois há ainda a parte do trabalho propriamente dito. É mesmo muito tempo.
Quer dizer, o tempo que leva para criar algo que ficam lindamente nas redes sociais e que as pessoas veem em dois segundos e julgam. Mas, provavelmente, quem criou levou pelo duas horas a editar, a escolher a legenda perfeita…
3 - Paixão pela Moda
Sou indiana, e a minha mãe tinha uma coleção linda de sáris. Ela costumava pendurá-los de uma forma muito especial, e eu conseguia ver todas as cores no armário. Lembro-me bem—assim que abria o guarda-roupa, lá estavam elas, todas aquelas cores lindas expostas bem à minha frente. E eu subia para a cama e começava a fazer-lhes perguntas sobre cada um deles. E a forma como a minha mãe me ensinou cores, sabe, ficou comigo. Vivo de acordo com essas aprendizagens até hoje. A minha mãe ensinou-me o que era cyan , o que era magenta. Isto não é algo que as crianças pequenas aprendem habitualmente, pois não?
Então a minha paixão pela moda desenvolveu-se nestas pequenas coisa. E depois, lentamente, comecei a desfrutar de observar texturas, de contemplar padrões à minha volta. Os tecidos davam-me tanta alegria — fossem mantas, capas de almofada, um casaco de inverno volumoso. Sempre que via tecidos ou texturas em geral, sentia tanta felicidade.
E desde então, tenho sido mesmo apaixonada por isto, seja a parte científica ou a criativa, ou apenas observando padrões à minha volta. Saía de casa e procurava as combinações de cores, os padrões. Isso sempre foi o meu lugar feliz. As cores sempre estiveram comigo desde que era uma miúda pequena.
4 - O Legado Artesanal Indiano
A minha paixão pela moda desenvolveu-se na Austrália, mas sempre soube que queria fazer isto.

E depois do 10.º ano percebi que havia muito para aprender sobre técnicas indianas de artesanato, sobre tinturaria manual. A Índia é realmente um país muito diverso quando se trata de cultura. Há tanta cor aqui. Então quis aprender mais sobre tintura natural, sobre teares manuais, sobre tecelagem. Continua a ser uma parte muito importante da roupa que se usa no país.
Fiz muitos trabalhos de documentação de artesanato. Comecei a assistir a exposições dedicadas a preservar têxteis indianos antigos.
Realmente quero voltar à Austrália e partilhar o meu conhecimento porque Sydney é um lugar muito especial para mim.
5 - Gerações e Mercados Globais de Moda
As pessoas da minha geração - Geração Z, e com pessoas ainda mais jovens, a Geração Alpha, focam-se muito mais tendências globais. Depois temos a geração mais velha, que realmente valoriza os produtos indianos. Pessoas que não compram fast fashion. Tenho visto isto acontecer, inclusive na minha família nota muito bem. Gostam de apoiar negócios indianos, de contribuir pars o seu posicionamento no mercado global.
Cada país tem um potencial tão extraordinário em termos de trazer locais, do impulsionar de marcas nacionais, que fazem um trabalho incrível. Na Austrália, por exemplo, há tantos projetos indígenas, tantas iniciativas de casas artesanais que estão a trazer padrões tradicionais em forma de tecido.
Portanto, embora haja tanta defesa do apoio a marcas indianas e de colocar essa essência indiana no mercado, sinto que as pessoas da minha geração estão presas às tendências de fast fashion, dos constantes lançamentos na web Está em todo o lado. O fast fashion é muito acessível, é muito barato. A qualidade não é boa, mas é super acessível para miúdos.

6 - O Sistema de Moda na Índia e a Partir da Índia
Há semanas de moda aqui (na Índia), mas as tendências focam-se principalmente em criar peças indianas - lehengas, sáris - na sua maioria. É esse o foco.
Mas agora temos designers que estão a fazer muito sucesso na Semana de Moda de Paris. Rahul Mishra é um deles, Bibhu Mohapatra é outro. E havia também Vaishali S, que conquistou a Semana de Moda de Paris, se não me engano, porque os seus designs são realmente espectaculares.
7 - Cultura Indiana e Tendências Globais
Nós adoramos tendências globais e participamos nelas. Mas ao mesmo tempo, os consumidores indianos querem abraçar a moda indiana e colocá-la no mercado global - não porque não se consiga sustentar um negócio aqui. É porque realmente queremos que o nosso legado cultural esteja no mapa global.
Gostamos dessa fusão de tendências globais. Adoramos estar atentos ao que vem lá de fora.
(…) mas depois, ao mesmo tempo, abraçamos o artesanato indiano. E vê-se isto muito bem porque vou dar-te um exemplo simples - eu própria. Quando saio com os meus amigos, visto sempre com algo mais ocidental, inspirado em tendências de fora. Mas depois quando há festividades como o Holi, quando há outros festivais - e os casamentos que são um acontecimento por aqui, nós adoramos casamentos indianos grandes - então quando vamos a casamentos, vestimos algo tradicionalmente indiano.
Então equilibrámos isto bem. Usamos coisas que não são locais, mas também vestimos a nossa cultura. Neste momento, a Índia está a equilibrar ambas as coisas de uma forma bem linda porque damos muita importância a marcas caseiras. Adoramos as nossas técnicas de artesanato indiano. Adoramos os bordados, usamo-los, e usamo-los com muito orgulho. Mas dito isto, também não rejeitamos as tendências globais.

8 - A Moda como Linguagem Global
A moda é uma linguagem muito global. E tens de concordar comigo porque todas as tendências que vemos hoje nas passarelles tiveram inspiração cultural de uma forma ou outra. Quando designers indianos trabalham numa coleção, inspiram-se em museus na Europa, em estruturas que existem na América. Portanto é verdadeiramente algo muito global.
E realmente não acho que a moda deva ser restringida a apenas seguir as normas que um certo partido político decide. A moda é uma linguagem, verdadeiramente é uma, não importa de qual canto do mundo vêm, para se unir de uma forma criativa, representativa, mas também sem ser julgadora.
9 - O Futuro de Moda de Aakanksha
Quando penso na minha jornada, no caminho de carreira que tenho em mente, gostaria de trabalhar na indústria da moda sustentável e fazer a diferença lá. Dito isto, adoro o artesanato indiano. Adoro os bordados que a maioria dos artesãos aqui desenvolveu.
Mas pessoalmente, gostaria de trabalhar com artesãos de todo o mundo. Não me queria restringir apenas à Índia ou à minha terra natal. Realmente quero viajar por todos os países e trabalhar de perto com os artesãos.
Os artesãos são verdadeiramente a base da indústria e têm tanto talento. Um trabalho baseado em competências e ofícios .
Gostava de perceber como é que esses ofícios passam de uma geração para a outra porque muitos atelier de tear manual são familiares, sabias? Não se ensina nas escolas. Ensina-se através das ações, da observação. Vejo uma pessoa a fazer e vou aprendendo. É incrível. E é assim que a maioria das bordadeiras e artesãos do mundo trabalham. Não é ensinado nas escolas. Não está escrito em lado nenhum. É apenas uma pessoa a observar e a aprender enquanto faz.
Gostava de viajar pelo mundo. Queria ir ao Peru. Queria ir a Portugal um dia. Queria ir a Gana. Também queria ir ao Vietnam para aprender mais sobre tecelagem. E quero mesmo ajudar artesãos a ganharem o destaque que merecem porque muitas vezes são desvalorizados e não recebem o reconhecimento que precisam. Gostaria talvez de ser a ponte deles com os designers independentes.
Qual é a tua opinião sobre cada um destes tópicos? Para onde devemos ir a seguir? Com quem devemos tomar café na próxima vez?
Vejo-te no domingo!
Com amor,
Vera Lúcia