O meu vício na Dazed: melhor que a Netflix

Comecemos esta edição da nossa newsletter com a desconstrução do título. Devo acrescentar que é a única dissecacção que sou capaz de fazer. Dazed, claro, a publicação cultural alternativa e, muitas vezes, provocatória, fundada como Dazed and Confused em 1991. Netflix é só uma referência a streaming.
Streaming, esse que vai até certo ponto explicar uma falha que encontrarão neste ensaio. Dessa falha retira-se uma primeira grande lição - não confiem plena e cegamente na possibilidade de replay de todo e qualquer webinar zoom.

Moda X Streaming
Ainda assim há que reconhecer a relação entre a Moda e o streaming. Ajudou-nos a ultrapassar os negros momentos da pandemia. Quem conseguia cogitar o apocalipse enquanto Anna Wintour debatia Moda com Marc Jacobs ou John Galliano em Zoom?
Todos os meios, organizações e media de Moda tomaram o Zoom de assalto e democratizaram as discussões verdadeiramente importantes sobre Moda.
Em Portugal, a ModaLisboa - Lisboa Fashion Week, não só usou o Zoom, criou uma verdadeira programação televisiva e de streaming, juntando aos designers e fashion insiders figuras da caixa mágica (para os gen Zs mais novos que eu, caixa mágica = TV). Mantendo toda a emoção, quando o evento não podia acontecer presencialmente. Sendo que já tinha começado a realizar transmissões em direto no período pré-pandémico e manteve-as após.
Algo que não aconteceu com muitas organizações e instituições, ainda que não siga o trabalho destas tão de perto. Não obstante, os recursos adicionais necessários para transmitir eventos presenciais face a webinars justificam-se relativamente à necessidade da indústria continuar a ser exemplo de diálogo plural numa sociedade em abrupta transformação.

Uma série viciante chamada "How I Became..."
A série digital de webinars da Dazed que aqui falamos tem como título e tema "How I Became...". Dando a conhecer os percursos de vários profissionais da indústria, inspirando estudantes e não só.
Esta programação decorreu de 17 de Março a 2 de Maio. Às segundas-feiras às 14 horas encontram-se com Jack Sunnucks, diretor criativo do Dazed Club - Alexander Fury; Ariella Starkman; Jawara Alleyne; Anna Meacham; Imruh Asha e Katie Grand.
Alinhando-se a cada semana as seguintes variantes da premissa "How I Became..." (como me tornei): jornalista de Moda; produtora executiva; designer de Moda; fashion director e diretora criativa.
Quando referi que não podemos confiar cegamente na possibilidade de replays deve-se ao facto de, não tendo assistido em direto à conversa do diretor criativo do Dazed Club com a fundadora da agência de talentos Huxley, não consegui aceder ao replay. Ainda que o vídeo tenha estado disponível no Youtube, tratava-se de um link de vídeo privado. Assinalo a disponibilidade de Shel Kaplan, community manager do Dazed Club, em me esclarecer por e-mail que tal vídeo, por agora, não ser disponibilizado publicamente.
Aproveito para sugerir que dês uma vista de olhos à app Dazed Club, parte da funcionalidade club do The Dots, networks super úteis para estabelecer connections na nossa área. E não, nada disto é publicidade, esse não é o modelo de The Fashion Standup, quando houver algo parecido a publicidade será, de certa forma, para ti e para ti.
Com tudo isto ainda não jogámos ao "quem é quem", portanto cá vamos nós:
- Alexander Fury é crítico e autor na área da Moda, ainda que seja muitas vezes denominado como sendo jornalista, é formado em "Fashion History and Theory" na Central Saint Martins. No seu currículo constam entre outros: Show Studio, AnOther Magazine, The Independent, Love, Elle, Vogue e The Business of Fashion;
- Ariella Starkman é produtora executiva, depois de alguns anos a trabalhar como freelancer, fundou em 2022 a sua própria agência (de eventos) criativa - a Starkman & Associates. É também fundadora da Homme girls, marca e revista cultural de Moda;
- Imruh Asha é fashion director e stylist. Começou o seu percurso como stylist numa concept store em Amsterdão, que o próprio descreve como sendo uma homónima de Dover Street Market, tendo esta loja marcas como Jacquemus e Vetements, quando estas estavam no início e outras marcas como a Maison Margiela. Em 2021, tornou-se fashion director da Dazed;
- Jawara Alleyne licenciou-se em "Fashion Design and Marketing" pela London College of Fashion, teve formação "Business Administration" pela University College of Cayman Islands. Em 2020, terminou o seu Mestrado em Design na Central Saint Martins. No ano seguinte fundou a sua marca homónima, inserida na incubadora Fashion East. Atualmente, coordena a gestão da marca própria com o papel de professor na CSM;
- Katie Grand é jornalista, stylist e diretora criativa; fundadora da revista Love (2009). Em 2020 criou a agência criativa e revista de Moda de referência - Perfect.
Fury exaltou o seu entusiasmo que tem, até hoje, em assistir a desfiles. Comparando-o com a "febre" de um ferrenho adepto de futebol em relação a um derby.
A fundadora da Starkman & Associates manteve uma conversa descontraída, onde destacou a ideia de empatia que aplica no processo criativo de cada evento que organiza. Tem sempre a perspetiva de que também será convidada ou visitante para lá de organizadora.
Imruh Asha tem uma perspetiva bastante equilibrada face à construção da sua carreira. Entre o seu sentido de iniciativa e empenho e o Zeitgeist vivido, em que o Sistema de Moda, no geral, é agora mais recetivo à entrada de novas pessoas/profissionais.
O designer Jawara Alleyne desmistificou o mito de que o trabalho de um designer de Moda passa a maior parte do tempo a criar ou a desenvolver a sua criatividade. Quando se tem a própria marca, a seu ver, a criatividade passa para o fim da lista de prioridades, ultrapassada por todos os afazeres relativos à gestão de uma empresa.
A mãe das publicações Love e Perfect mantém uma atitude otimista face ao seu trabalho, ao Sistema de Moda e aos seus insiders. Não tinha um plano de carreira a longo prazo e tem desfrutado do seu percurso.
A continuidade deste ensaio subdivide-se em dois: 10 lições tão importantes como a regra da tesoura de tecidos (só se pode usar para cortar tecido!), todas recortadas destes webinars; seguidas de 5 momentos ao espelho, ou seja, com os quais me identifiquei especialmente.

Não uses a minha tesoura de tecido - outras 10 lições
1 - Ouve e observa tudo, mesmo o que não é suposto ouvires e veres. (Alexander Fury)
2 - A Moda não é uma máquina de fazer dinheiro para quem nela trabalha. Pode demorar, tal como Fury, cinco anos a encontrar estabilidade financeira a fazer aquilo que se gosta. (Alexander Fury)
3 - Ouve ativamente com quem trabalhas, pratica a tua capacidade de multitasking e de resolução de problemas. (Ariella Starkman)
4 - Aprende a criar relações com toda a gente, a começar conversas com quem e com o que for, até com uma árvore. (Ariella Starkman)
5 - Usa sempre algo que te permita manter o registo de tudo o que te inspira, em formato físico ou digital. E não estou a falar naquele sentido poético de colar uma concha que encontres na praia no teu scrapbook, porque não é funcional e nunca mais fechas o caderno... Guarda links, guarda screenshots, escreve notas... (Imruh Asha)
6 - Pesquisa tudo, quando te faltam referências vai às grandes revistas e vê os créditos, investiga o trabalho dessas pessoas, perde-te de tanta pesquisa a fazer. (Imruh Asha)
7 - Se, enquanto designer de Moda, queres ter a tua marca própria, sê responsável por cuidar da tua criatividade, é o único aspeto de uma marca sobre o qual ninguém te pedirá contas. (Jawara Alleyne)
8 - Se queres seguir Moda, não basta só gostar. Gostar só não te dá a capacidade para superar os inúmeros desafios que enfrentarás. (Jawara Alleyne)
9 - Há formas mais fáceis de nos tornarmos milionários do que a área das revistas e do conteúdo de Moda. (Katie Grand)
10 - Não é assim tão difícil criar um projeto criativo do qual te orgulhes. (Katie Grand)

5 Momentos em que me vi ao espelho
1 - Alexander Fury considera o Substack um universo fixe. Acredita que as novas gerações, se usarem uma perspetiva própria e singular e com um bom sentido de curadoria, serão bem-sucedidas. Contudo, não sabe se teria a disciplina necessária para ter um Substack em nome próprio.
2 - Ariella Starkman é uma grande defensora de enviar DMs a pessoas que não se conhece como forma de estabelecer uma relação, sendo o pior que pode acontecer é ser-se ignorado. E quem está a ler isto sabe que adoro DMs, envio-os a quem me é próximo a toda a hora e a quem pode partilhar os meus interesses, também com uma frequência de recordista.
3 - Imruh Asha afirma que nem todos têm de tomar a decisão de se estabelecer numa das capitais mais tradicionais de Moda. Há quem desenvolva o seu trabalho de forma relevante e independente a partir de cidades como Copenhaga, Amsterdão ou Berlim. E, portanto, eu aqui acrescento Lisboa (eu sei que não vivo em Lisboa, mas orbito a cidade).
4 - Jawara Alleyne considera que a energia para fazer algo é muito importante, não que seja necessária a inspiração das musas no momento de desempenhar tarefas criativas. E que muitas vezes precisamos do foco da solidão. Tudo isto descreve o meu processo enquanto estudante de Design de Moda na perfeição.
5 - Katie Grand quis criar conteúdo e uma publicação sendo ela a escrever as regras. Não me querendo comparar com o seu vasto e diverso percurso, não podia deixar de me identificar.

A Dazed trouxe de volta este pensamento cru da Moda feito pelo Zoom. Algo que já tínhamos falado no ensaio "Em Moda as carreiras não se fazem no microondas" sobre o dia aberto digital da CSM.
A democratização da reflexão em Moda deve continuar, de forma profunda pelas instituições e éticas que defendem a Moda como Sistema de liberdade, uma vez que os momentos que vivemos, por várias razões, vislumbram-se tão incertos quanto os vividos durante a pandemia.
E quanto a ti, que conteúdos de streaming, sobre Moda, espalhados por este vasto universo digital fora te inspiram e estão a viciar mais que a Netflix?
Até breve!
Com amor,
Vera Lúcia