O designer (de Moda) é o novo editor e o novo escritor - Vogue por Marc Jacobs

Depois do que pareceram séculos algures, perdida, nos Países Baixos, chegou. A Vogue americana de Dezembro de 2024, a Vogue editada pelo Marc Jacobs chegou a (minha) casa.
O facto de um designer brilhante e tão icónico como o Marc Jacobs ser editor da Vogue, aparenta ser ou é sentida como sendo uma validação a que os designers de Moda abracem os media.
No mesmo dia em que escrevo isto no meu caderno, para mim a escrita à mão é uma forma de esboço, leio uma frase de Susan Sontag que contradiz, completamente, o que acabo de dizer. Para Sontag não devemos esperar o beijo na testa de validação da sociedade ao que fazemos. Ainda assim acabamos sempre por o esperar…
O que espero encontrar para lá do incrível retrato de Kaia Gerber, ou seja para lá da capa?Talvez um road map, talvez a possibilidade de extrair uma lista de semelhança entre o design de Moda em si e a edição ou coordenação da edição que Marc Jacobs fez desta Vogue.
Vou olhar e ver, ler e estudar e já vos conto.

Antes de prosseguir, é melhor esclarecer a grande questão, talvez seja grande só para mim, não obstante é uma questão: se escrevo sobre Moda de forma independente, não é um contra-senso dedicar todo um artigo a uma edição da Vogue? Talvez. E, talvez, não a tenhas lido e aqui ficas com uma ideia de forma rápida e descomplicada. Ou seja, estudo por ti e faço algo similar a um resumo. Algo que nunca fiz quando tivemos de estudar o “Tigersprung - Fashion in Modernity” do Ulrich Lehmann , na faculdade.
Pronto, já calei o imposter syndrome. Na verdade, até o Marc Jacobs tem imposter syndrome (somos todos humanos!) e a prova disso mesmo está na Carta do(s) Editor(es):
“Dentro do envelope estavam mocks up de artigos que a Anna idealizara, comigo em mente, daquilo que Dezembro poderia ser. Instantaneamente, aquela horrível voz na minha cabeça, o meu sabotador interior diz ‘Tu não consegues fazer isto, o que sabes tu sobre editar uma revista?’ Oh, cala-te.” (1)
De certo modo, esta edição toca tudo o que faz parte da vida de um designer de Moda das flores (ainda não conheci nenhum que não gostasse de flores, o que não significa jeito para cuidar de flores, falo por experiência) à adição (todos somos viciados em alguma coisa, quem é que trabalhando em Moda consegue negar uma personalidade com tendências obsessivas? Mas calma, ser viciados em trabalho, glúten ou em pastelaria tradicional portuguesa também não é assim tão terrível!).

Sendo a Moda a disciplina mais transversal que existe, uma edição da Vogue dirigida por tão carismático designer de Moda tem literatura, figurinismo, ilustração, pintura, arquictetura, design de interiores e dramaturgia.
Jacobs conseguiu AW na capa, ainda que o seu desejo primeiro fosse ter Anna Wintour na capa, numa das versões foi assinada por Anna Weyant com um magnifico retrato de Kaia Gerber.
Quem disse que a Vogue não pode inspirar a pintura? A pintura foi tida com uma “arte maior”, é mais clássica. Mas com Weyant tudo é um pouco diferente, a Vogue e o respectivo imaginário inerente sempre tiveram tal influência tamanha no seu trabalho que as telas que utiliza obedecem às mesmas proporções que as capas da Vogue.
Não poderia prever, para além de ficar fascinada pelo trabalho de Anna (Weyant), rever-me, até certo ponto, na sua rotina. Trabalhando sozinha, num quotidiano aparentemente calmo, a sós com o seu trabalho, por entre momentos de adrenalina.
Em que é que falar da fantasia e da “tortura” relativas ao Belo e à Alta Costura pode mudar a narrativa? Se for feita no masculino, na primeira pessoa tal como o fez Jeremy O. Harris.

E, não nos esqueçamos de Kaia, graças a quem ser nerd é cool, finalmente! Em várias dimensões e com bastante profundidade falamos de it girls (eu ainda me lembro de esta expressão ser super trendy, ok?) intelectuais, que são ratinhos de biblioteca curiosos, astutos e observadores… E, com toda a sinceridade esta era a mudança de panorama que todos esperávamos e de que o mundo precisava, desesperadamente. Agora é rezar para que Moda continue a ser o ponto de partida das revoluções.
Quando Marc Jacobs fala, na primeira pessoa, da experiência de tornar uma casa desenhada por Frank Llyond Wright no seu doce lar traz à tona conclusões menos tangíveis. Os designers de Moda são de tal maneira reflexivos, que podem aparentar ser narcisistas, na verdade penso que se trata de uma enorme capacidade de sermos conscientes do próprio ser e de como esse ser de personalidade se espelha no trabalho desenvolvido.
Não tenho legitimidade para afirmar, ma para opinar, talvez esta Vogue encerre em si o futuro das revistas físicas. Não precisamos de revistas com o mesmo número de páginas do que uma antiga lista telefónica, cuja compra nos dá ansiedade pela, mais que provável, falta de tempo para a ler, antes da próximo edição chegar às bancas. Somos bombardeados com imagens, talvez estejamos sedentos de palavras, em textos profundos e até extensos… Mas não queremos as palavras interrompidas por mais de 90 páginas de publicidade num total de 185 páginas.
Ainda que tenha adorado ler este número, ao ponto infringir a regra de que o gosto pessoal não é adjectivo, questiono-me… Por muito necessários que sejam os patrocínios aos media de que nos vale termos “adds blocks” instalados e autocolantes anti- publicidade na caixa de correio?

Talvez os designers de Moda sejam os novos escritores e editores da nossa indústria. Muitos de nós fomos formados a saber costurar, desenhar, fazer modelagem e ilustrar. Mas acima de tudo isso, aprendemos e fomos formados para trabalhar em Moda. E, ainda que não tenhamos sido incentivados da mesma forma a escrever, pesquisar, gerir, organizar, promover, investigar… Ninguém nos ergue uma barreira, ninguém nos proíbe. Moda é liberdade, ninguém a molda, a não ser ares do tempo em que vivemos.
Efectivamente, não obtive respostas tão lineares como desejava, mas duas coisas são claras: Marc Jacobs também recorre a comparações como processo mental de desenvolvimento; e eu não consegui concretizar as palavras da Susan Sontag.

Talvez tenha sido um bocado rebuscada com esta primeira afirmação, citando o próprio Marc chega-se ao âmago da questão:
“Queremos que avances’ disse -me Anna, ‘O que gostarias de dizer com a tua edição? Quem gostarias que estivesse na capa? O que é que a equipa da Vogue pode fazer para te ajudar?
De certa forma, imaginei que o processo seria como o de criar uma colecção - vamos criar um ponto de partida, ver onde irá parar e, ter fé que ao longo do percurso tudo se vá revelando e desenrolando. A infame página em branco encarava fixamente.” (2)
Não posso negar que ver o Marc Jacobs, de uma forma ou de outra, a editar a Vogue, deu validade a esta minha pseudo loucura de ser uma designer de Moda que escreve sobre Moda. Nada é para sempre, não sei se farei Moda sempre por escrito. Que farei Moda até ser centenária, é certo. Outra coisa de que tenho a certeza, é que nos vemos para a semana.
Love,
Vera Lúcia
(1) - Tradução livre do original: “ Inside the envelope were spreads that Anna had mocked up, with me in mind, of what December could look like. Instantaneously that awful voice in my head, my inner saboteur said, "You can't do this, what do you know about putting together a magazine?" Oh, shut up!”
(2) - Tradução livre do original: "We want you to go for it!" Anna told me. "What would you like to say with your issue? Who would you like to be on the cover? What can the Vogue team do to help you?" In some ways I imagined the process would be like putting together a collection-let's just make a start, see where we go, and have faith that more will reveal Itself and unfold along the journey. The infamous blank page was staring me in the face.”