Fashion Graduates Chronicles: Asas para Voar - Parte II

Aviso: pode ficar altamente inspirado pelos protagonistas deste escrito.
Bula do presente ensaio: este ensaio é constituído por duas partes e um final cut. Independentemente da ordem, todo o ensaio deve ser lido. Sendo o contexto mais perceptível se lido por ordem cronológica face à publicação.
Continuação da primeira parte .

Sofia Soto
Para se ser mulher latina-americana, a "Suerte" é algo que se tem de ter em conta a todos os momentos. "Suerte" representa-se numa coleção para o Outono/Inverno '26. Transformar este elemento intangível como a sorte numa coleção não é só um projeto académico - é resistência!
"Ser uma mulher migrante que estuda, trabalha, vive e ainda encontra tempo para se divertir exige, no mínimo, 48 horas por dia. Apesar dessa exigência energética, divertia-me ver-me em plena criação. Observar o meu próprio processo através de reflexões profundas mexeu com várias camadas da minha humanidade."
Um projeCto próprio que lhe permita regressar às suas raízes, contar histórias através do têxtil, como ato artesanal, político, emocional… É o que Sofia espera que a Sorte lhe traga. Não é, contudo, uma esperança vã ou, muito menos, de inércia. Trabalha com as mãos e com o coração, sendo esta a sua afirmação política.
O que é a sorte para Sofia? Foi pergunta que levou a jovem designer a um caminho introspetivo e intuitivo que se viu espelhado em peças vestidas, em Moda em movimento. Tendo presente que para muitas mulheres, nomeadamente no Sul Global, onde os direitos básicos não são garantidos, confiar na fé é uma ferramenta emocional de sobrevivência.

João Macedo
Menu de Gula - Metáfora de mesa posta, pratos, talheres e alimentos - símbolos de excesso e de provocação, posicionados estrategicamente no corpo como forma de confronto e ironia é ingrediente primeiro da receita de João.
Contou com uma boa dose de inspiração: a paleta de cores e o espírito irreverente de Keith Haring e a perspetiva discursiva de Oliviero Toscani - a Moda como meio de denúncia.
Questionamento, inquietação pessoal: como é que nos vestimos numa era de excesso, regressão política e apagamento da individualidade? E a resposta surge num momento em que a moda precisa, segundo o designer, de ter mais intenção.
Para si, o processo soube-lhe a entusiasmo com a turma, trocas criativas nos intervalos, momentos de frustração, muitas fofocas e até algumas lágrimas. Agridoce, ainda que mais doce do que amargo, uma vez que é exigente, mas profundamente gratificante.
A sobremesa foi uma descida de adrenalina da felicidade ímpar do desfile a que se seguiu a nostalgia.
"Para mim, a moda (…) é uma ferramenta poderosa de expressão, de crítica social e de transformação."
Como pretende amassar o seu futuro? Vivendo em Paris, cidade que sempre o inspirou, tendo como um dos seus grandes objetivos fazer um estágio na marca e com a designer Marine Serre. Tenciona consolidar os seus conhecimentos e construir base sólida, tanto técnica como conceptual - seja com uma marca própria ou como diretor criativo.

Zahra Ismail
Jornada emocional da identidade humana, desde a simplicidade da infância à complexidade da idade adulta, passando pelo caos da adolescência. Na fase adulta, no entender de Zahra, fazemos as pazes com os rasgões da vida que formulam a resiliência humana.
A introspecção da sua vida e do seu eu, o eu profundo - não só a jovem mulher que trabalha na área de ciências da comunicação, mas também a jovem moçambicana que muda de cidade, de país e de continente, novamente, com a motivação de concretizar um outro sonho.
"Aquilo que eu fiz, é a coleção que eu apresentei, é uma coleção que eu tenho muito orgulho, porque há de seis meses atrás, não imaginava que ia conseguir costurar tudo aquilo, que ia conseguir fazer aquelas peças, porque eu não sabia como fazer. Mas foi muito gratificante."
O não ser de Moda foi bastante desafiante para a designer, com bordados manuais terminados até ao último momento e realizados durante horas a fio. Procurou soluções que otimizassem o processo e colmatassem aquilo que ainda não sabia, criando um molde base que lhe permitisse fazer pequenas alterações e possibilitasse o desdobramento em várias das peças.
Tendo plena consciência que as peças mais complexas que realizou em draping, talvez tivessem sido mais facilmente conseguidas se o fizesse por meio de modelagem plana.
Daqui a três anos deseja estar a dar os primeiros passos na sua própria marca de Moda, que não seja só um negócio, que seja também ativista e que permita receber quem tal como Zahra deseja aprender.

Talmo Vaz
"(…) nessa conversa com a professora Eduarda, eu lembro que havia uma palavra que eu tinha esquecido (…) ela falou: a coleção estava muito sofisticada, a coleção estava elegante. E quando ela disse isso, escutar isso da Eduarda, realmente eu me desabei a chorar. (…) foi de felicidade, né?"
Antes de darmos início ao guião de perguntas, uma vez que fizemos uma reunião, Talmo partilhou comigo a sua história.
Apesar de já se ter formado em Design de Moda no Brasil e de já ter uma pequena equipa e um atelier a começar a estabelecer-se, para crescer tinha de relocalizar… Talvez mudando-se para São Paulo, mas o seu sonho era Moda europeia.
Na Europa, em Lisboa, aprende mais com humildade, havendo um Talmo antes e um Talmo depois deste processo - muito mais capacitado e multifacetado em termos de Design de Moda.
Em "That's Life", o designer inspira-se no amor à sua avó, já falecida, bordadeira que deu a independência a muitas mulheres ensinando-lhes a sua arte.
Ao ouvir uma estória contada pela professora sobre a caixa de referência que uma modelo e amiga de John Galliano preparava para este icónico designer, Talmo teve uma ideia.
A avó do designer, cujo ofício o fascinava e que não permitia que em criança o neto aprendesse, tinha deixado uma caixa. Uma caixa repleta de bordados de vários tamanhos que foi uma das bases da sua coleção - bordados esses que deram forma a um top da coleção.
Inspirando-se também na Alta-Costura, em Cristóbal Balenciaga e numa técnica que este couturier utilizava: o ma - conceito japonês que designa o espaço entre o corpo e a peça.
Agora com tudo o que aprendeu e cresceu, Ramilton Talmo quer catalisar e impulsionar a sua marca - Talmo Vaz.

Ana Almendra
Enxúvia, como palavra, refere-se a vestígios, cascas ou peles abandonadas, frequentemente associadas ao processo de metamorfose do exoesqueleto de animais, na natureza.
Já Enxúvia, a coleção de Ana Almendra, explora os vestígios que nós, como seres humanos, deixamos com aquilo que vestimos. Vestígios que expõem traços de personalidade e afirmam as crenças e origens civilizacionais de cada indivíduo.
"(…) conduziu-me à análise do trabalho de diversos designers de moda, com foco nas obras de Valentim Quaresma, designer português cujo percurso artístico se destaca pelo uso de acessórios escultóricos e materiais não convencionais, frequentemente associados ao universo bélico e cerimonial, que evocam uma estética de força e acolhimento."
Aqui o vestuário assume-se como um abrigo e uma extensão do corpo, que carrega em silêncio as marcas de uma batalha interior exaustiva. Coleção onde predomina como símbolo de introspecção, medo e força contida.
Apesar das inseguranças foi fiel ao seu plano inicial, mesmo almejando conseguir alcançar uma "confeção perfeita". Num processo onde o manual e o tecnológico exigiram muito tempo, muito tempo entre a beleza da imperfeição do tricot manual e a precisão extrema da impressão.
Sentiu o dia do desfile como sendo tão mágico quanto assustador, tendo sido o momento exato a primeira vez que se sentiu verdadeiramente orgulhosa do seu trabalho, foi aí que as inseguranças se dissiparam. Com saudades da rotina, a designer começou a focar-se noutro projeto, noutros projetos pessoais, logo após o desfile.
Ana deseja e espera dedicar o seu futuro à joalharia e aos acessórios, ainda que tenha uma vaga ideia.

Élio Ramos
Não sabe onde estará no futuro, mas espera estar a fazer o que gosta, a provocar através da roupa na forma de Moda.
Moda que, com os colegas, descobriu que é lugar de inter-ajuda e de ataques de riso derivados da exaustão sentida, mas que tem final feliz.
Como é que Élio provoca? LUBE foi só o primeiro capítulo desta sua libertação provocatória. Inspirado pela infância, especialmente pela oficina dos pais… No meio do barulho das ferramentas, do cheiro a óleo queimado e da roupa de trabalho sempre suja e gasta.
Ao designer marcaram-lhe os calendários pendurados nas paredes, com mulheres seminuas em poses provocadoras, como se fizessem parte da decoração. Ficando-lhe na mente a ideia da diferença dos corpos consoante o género - o corpo da mulher era quase decorativo - sendo olhado e desejado, o do homem tinha a função de trabalhar.
"Esta coleção toca em partes da minha história, na forma como cresci a ver o mundo e a questionar o meu lugar nele. Trabalhar essas memórias, pô-las em peças, foi quase terapêutico."
Assim, começando por desconstruir o uniforme de trabalho como símbolo da masculinidade bruta, mostrou o corpo masculino como decorado, desejável e forte ao mesmo tempo. Sendo até assumido e quase celebrado o aparecimento do rego do rabo, que tantas vezes aparece de forma involuntária na oficina.
(Continua…)
A terceira e última parte será publicada em breve no website e enviada por email.