Fashion Graduates Chronicles: Asas para Voar - Parte I

Esta newsletter reúne 25 jovens designers num ensaio em duas partes é algo de que estou muito orgulhosa. Jovens talentos que esboçam o próprio futuro, mas que para já festejam o enorme marco que é a primeira coleção em nome individual. Algo que neste caso acontece no final do primeiro ano do Mestrado em Design de Moda na Faculdade de Arquitetura de Lisboa.
Todos podemos descrever a cara dos principais diretores criativos do Sistema de Moda atual, mas quantas vezes vimos fotos dos estudantes de Moda, para lá de imagens dos seus trabalhos?
Sim, as redes sociais, principalmente o Instagram, estão repletas de imagética... mas quem são, o que fizeram e para onde vão? No futuro, todos terão tempo de ouvir tantas e tantas opiniões, críticas e perspetivas... agora fazem-se ouvir, ver e ler.
Por questões práticas, tive de parafrasear as respostas que me deram, para equilibrar a extensão de todos e de cada um. Para ti que estás a ler-me saibas o que elas e eles têm para dizer, já que eu fui mera editora, "parafraseadora", transcritora...
E antes desta aventura começar tenho de te relevar quais as perguntas que fiz a estes 25 magníficos (se bem que hoje só ficas a conhecer 11. Não?
Aqui estão as 5 perguntas tal e qual as coloquei:
Fala-me da tua coleção. Qual é o conceito? Ou qual foi a inspiração? Como a idealizaste?
Como descreves o processo de execução da coleção? A turma, os intervalos, as frustrações, as alegrias... Houve alguma manga mais difícil de coser à peça que tiveste de refazer mil vezes e quando conseguiste ficaste mega contente? (Descreve uma situação parecida). Emocionalmente, como foi o processo?
Como te sentiste no dia do desfile?
Como te sentiste depois do desfile?
Onde te imaginas daqui a 3 anos?
E agora sim, mãos à obra, agulha no tecido, pé no acelerador e aqui vamos nós.

Gustavo Calapez
A busca do que diria representar para aquela que foi a sua primeira coleção levou Gustavo a desconstruir o próprio ego — em "Crise de Identidade". Encontrou a tradução visual das suas ideias no encontro entre a cerâmica e as manchas do teste de Rorschach.
Destaca que o processo foi marcado por iterações, um pouco inerentes ao facto de se ter licenciado em Design de Produto e Comunicação, também na FAUL, mas foi daí que trouxe muitas competências que enriqueceram o seu resultado final.
"Fiquei três noites sem dormir, duas delas seguidas. Mas comparado com aquelas que fiz na licenciatura, estas valeram a pena."
Acima de tudo, sente que cumpriu um sonho e um objetivo de há muito. Em termos do dia do desfile, teve consigo a mãe, colegas e amigos do segundo ano do mestrado que o ajudaram na confeção da coleção.
Como objetivos futuros, quer divulgar o seu trabalho e, para já, a coleção da qual tanto se orgulha atualmente. Quer lançar-se em nome próprio, mas ao seu ritmo. Tem bem definido que concorrer ao Sangue Novo será um plano primordial, assim como estagiar fora de portas e entrar no mercado de trabalho.
Sabe que a sua linguagem terá de ser ajustada a um mercado mais comercial. Não descartando a possibilidade de trabalhar por conta própria, considera que, para o seu próprio sistema e processo, não poderá fazê-lo de forma exclusiva.

Marta Roquete
Enquanto organiza a linguagem gráfica da sua coleção e os photoshoots inerentes, algo que muito lhe interessa, Marta fala-me de todo o processo, conceito e afins.
"Besouro" advém dos momentos simples da infância a brincar e admirar insetos. Essa quase infantilidade foi trazida para as paletas de cor em materiais como o burel e a ganga — armaduras dos insetos que não deixam de ser frágeis e que deixam a sua marca... Como os buracos na roupa que são aqui valorizados por ilhóses.
Admite que o processo de confeção foi mais desafiante que a ideação, ainda assim enriquecedor, e tem consciência que o que lhe ficará na memória não serão as agulhas partidas ou as noitadas, mas sim os momentos de união entre a turma.
"Existe um certo conforto em estarmos rodeados de colegas que reconhecem o nosso potencial e nos ajudam a alcançá-lo."
Para a jovem designer, no contexto de uma indústria competitiva como a Moda, foi reconfortante o incentivo dos seus colegas para que alcançasse o potencial, sendo eles mais conscientes deste que a própria Marta.
A consciência é algo cuja importância transparece ao longo do seu discurso. Desde a forma consciente como dedicou os últimos minutos do desfile a sentir orgulho do seu trabalho e de todos os outros designers presentes, até à forma como estrutura as suas visões de futuro.
Gostaria de trabalhar no estrangeiro, numa marca na área de materiais e ligada às técnicas manuais como o tricô. Sendo consciente de que, anteriormente, já explorara Portugal em termos de lã e que já fizera um estágio que lhe possibilitasse aprender mais técnicas de confecção manual.

Angelica Russo
Emotiva, cansada e ao mesmo tempo um misto de emoções - esta era Angelica naquele Dia D para todos. Mas algo era certo, a Distopia estava na sua coleção, como tema e título, mas já não era vivida na sua própria vida. Sente a distopia da sociedade ansiosa e deprimida e não só...
"Penso também no nosso mundo, repleto de guerra, crise climática, injustiça social e não fazemos grande coisa."
Mas de certa forma também a experienciou, durante a licenciatura em Design de Moda em Florença, era, para si, muito teórico e pouco personalizada. Não se sentia realizada, pelo contrário, estava presa na sua própria vida rotineira.
Apaixonou-se por Lisboa em Erasmus, portanto este Mestrado tinha de acontecer.
Obviamente, que o seu processo não foi isento de percalços, aqui também houve tentativa-erro e repetição de protótipos... E, apesar das lágrimas e cansaço, já está livre do ciclo vicioso da distopia que via, tanto dentro como fora de si.
A descoberta de soluções, para aquilo que queria que desfilasse com o seu nome, tiveram de ser, muitas vezes, de forma independente... Mas não de forma solitária.
Não tem dúvidas, daqui a 3 anos estará em Lisboa. A trabalhar em Moda, talvez com uma marca própria e novas coleções. Para já há que promover a coleção que acaba de apresentar.

Matilde Romão
Vinda de formação em teatro, decidiu fazer o Mestrado em Design de Moda, influenciada pela perda da avó Amélia, modista de profissão. A seguir pretende ingressar no Doutoramento em História de Arte.
"Se eu tivesse uma mensagem para dizer aos meus colegas (...) sobre o futuro, é (...) não se percam na imensidão (...) e mantenham-se fiéis àquilo que é a vossa alma."
Inspirada por fotos das duas avós, os anos 60 e figuras como Twiggy, Patty Boyd e os Beatles idealizou o lado B.
Nas suas respostas dá grande destaque à sua amiga Joana, costureira que a ajudou na concretização das peças finais. Os protótipos ficaram a cargo de Matilde e da sua máquina doméstica.
E, ainda que a dificuldade do processo seja lugar comum a todos, aqui houve uma situação extrema - peças demasiado pequenas para servirem a uma manequim a 24 horas do desfile, que acabou por se resolver.
Já na ideação, teve dificuldade em distanciar os universos Moda e figurinos. Outra questão que denota, que tem origem na formação de base - facilidade de desenhar, mas dificuldade em transportar as ideias para o tecido.

Liyan Zhu
Emocionalmente, para Liyan, o processo foi variado, do entusiasmo ao stress da gestão de tempo.
O tempo é para si fulcral, nas suas diferentes perspetivas, da reinterpretação de um ícone cultural à dedicação que deseja ter a tempo inteiro a uma abordagem slow fashion.
"A inspiração para esta coleção foi a cultura tradicional da China. Quis criar peças de moda exclusivas em vez de fast-fashion."
Assim reinterpretou o tradicional vestido chinês cheongsam, transportando esta memória cultural chinesa para o contexto social desta contemporaneidade, não deixando de lhe conferir feminilidade, trazendo detalhes que remetem para este traje.
Traje esse que transformou em Moda, permitindo novas expressões do corpo humano. Algo que conseguiu por meio não só de signos inerentes à indumentária, mas também à modelagem contemporânea, maioritariamente ocidental.
Focada em detalhes e alterações até ao último minuto, o balanço final é positivo de orgulho e felicidade.
No que diz respeito ao futuro, as metas são claras e o empreendedorismo é chave. Um espaço com a sua própria curadoria e com a sua própria marca com uma oferta diversa - a sua marca de Moda de autor em formato slow fashion, objetos de decoração em cerâmica e acessórios em crochet. A questão geográfica é ampla, pois as possibilidades estão entre Portugal e o Brasil.

Mariana Andrade
ercepcionando-se como Designer de Moda independente, o futuro idealizado desdobra-se entre uma marca em nome próprio e o ensino.
O processo de uma coleção como estudantes é tudo, menos fácil, mas pode ser um salto de independência. Para Mariana foi a primeira vez que confecionou peças de uma ponta à outra sozinha... E, ainda que não tenham ficado "peças perfeitas" avançou e isso é motivo de orgulho. A tranquilidade das experimentações feitas à mão nos primeiros dias haveriam de dar lugar à frenética da substituição de tais técnicas por costuras elásticas por constrangimentos de tempo.
No fim até as 24 horas na faculdade para terminar tudo compensaram, marcando o final do desfile com o respirar de alívio.
"Inspirei-me no movimento Sufragista (...) Sem a luta delas não poderia estar hoje na faculdade, a fazer este mestrado."
Homenagear o movimento Sufragista, uma luta que deve ser relembrada e, segundo a designer, de preferência com muito estilo. Na paleta de cores figuraram as cores da bandeira do movimento e na modelagem encontram-se elementos que remetem para a estética e História da Moda e do Traje de então.
Os momentos criativos e de ideação foram "os dias bons".

Maria Miguel Borda
Por vezes, os obstáculos mais frustrantes podem ter a forma de quase 20 metros de organza branca e um isqueiro... por muito que o tempo seja bem gerido continua a passar.
E passando, transforma-se numa "Metamorfose Lírica" - a tradução da vontade da sua autora de explorar a relação entre forma, repetição e movimento no corpo.
"(...) como a lente de um fotógrafo que congela o movimento, esta coleção celebra o efémero, o gesto e a presença singular no tempo e no espaço."
Mais do que as questões físicas, o desejo emotivo e bem presente de ter orgulho naquela que foi a sua primeira coleção tornou o clímax do projeto num sentimento avassalador.
Entre o que se veste e o que se lê, o futuro de Maria Miguel passa pela criatividade na Moda. Quer seja numa Marca ou numa Revista de Moda.
Tal como a presença singular no tempo e no espaço que o seu trabalho celebra, também o orgulho foi singular. Singular a ponto de adormecer tudo o que não fosse tão positivo quanto aquilo que sentia. Agora já não era nada importante a distância a que passava o isqueiro, já nada ia escurecer.

Beatriz Silva
Romantizar a vida é imperativo para Beatriz, não que seja alheia a tudo aquilo que o mundo vive, mas espera contribuir para o papel ativo das Artes na construção de uma sociedade melhor e mais justa. Aos 22 anos, não sendo apaixonada pelo digital, mas do papel e das publicações físicas... Influenciada por "O Diabo veste Prada" e "Sex and The City" espera aliar o tecido e a palavra impressa - no fundo Moda, Design e Comunicação.
"Não adoro trabalhar com computadores, se me dessem uma tela de serigrafia e uma folha, eu seria muito mais feliz, adoro fazer coisas práticas e por isso pensei neste mestrado."
Constância, a vila onde os rios Zêzere e Tejo se cruzam, lugar onde a par e em contraste com Lisboa criou o seu caráter, a sua forma de ser. A tradução deste universo em termos de ideação foi evolutiva e longe de ser imediata.
Mas a Moda estava de alguma forma dentro de si, e ainda que não tivesse todas as competências técnicas necessárias, uma vez que se licenciou em Design de Comunicação na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.
Ainda assim, no dia que compara com a ansiedade de um Exame Nacional, sem qualquer "diabo" e com os seus amigos, esta Andy foi feliz.

Ariana Orrico
O contrariar do medo de errar ajudou a ter a calma como uma constante. Mesmo numa coleção muito marcada pelo styling que só terminou a 5 minutos do início do desfile... Haveria de dar certo e deu.
Numa coleção que pretende tocar o limite desconfortável para os códigos tradicionais do vestuário masculino. Com inspiração no futebol americano e nos respetivos jerseys...
"Era um zero à esquerda na costura e senti que mesmo que não me pus fora da minha zona de conforto. (...) Ariana, vamos pôr as mãos à massa (...) E como eu tinha meio que ligado um bocado esse botão de, OK, tenho que fazer isto por mim, foi (...) o ano em que eu mais estive tranquila na faculdade."
Um dos objetivos que tinha era pôr-se a si mesma em desconforto, no sentido de arriscar, de fazer, mais do que duvidar. Assim conseguiu de forma bem-sucedida trabalhar com um material como é a pele.
Artista não praticante, multidisciplinar, não tem um plano escrito na pedra. Precisa de viver a área, estagiar, navegar um pouco a relação de amor/ódio que sente existir com a Moda quando se está no papel de designer. Para já vai passo a passo, já que por agora não se imagina a fazer a mesma coisa durante 20 anos.

Alexandre Barros
"A coleção 'Sacrifício Moderno' surgiu da necessidade de explorar as escolhas que somos forçados a fazer na nossa vida e as consequências que estas nos trazem. Como inspiração tive os procedimentos médicos da minha adolescência, o corpo como campo de batalha, o cancro como musa, uma ideia que para alguns pode soar mórbida, mas que para mim sempre foi fonte criativa. Contudo ao invés de explorar as marcas físicas e as dores do tratamento, senti necessidade de compreender a mente antes da agulha, o espírito antes da incisão. Quis explorar o sacrifício, o ritual, e a aceitação."
De futuro, quanto mais perto estiver da Alta Costura, melhor. Tendo também em cima da mesa a opção do trabalho em modelagem. Sendo consciente que ter uma marca própria não é o tipo de responsabilidade com o qual quer para si nem daqui por 3 anos.
Ao longo de todas as suas respostas, Alexandre ressaltou sempre o facto de estar a responder a alguém que já tinha vivido a experiência do mestrado e da coleção, dando um twist muito interessante às respostas escritas.
Do processo em si destaca o sentimento inexplicável, na sua perspetiva só conhecida por quem cria, de ver um design tão idealizado ganhar vida a três dimensões. Uma euforia que impulsiona a adrenalina e apaga o cansaço.

Anabela Melo
A menina da ilha que sonhava com Moda conseguiu - apresentou a primeira coleção em nome próprio. Uma coleção que dá vida à nostalgia da passagem do Verão para o Inverno.
Maior dificuldade do processo? As ilusões de ótica que o trabalho com riscas pode provocar. Ao ponto de sonhar com riscas... E, algo que também pode acontecer e aqui foi realidade foi o ódio ao próprio trabalho quando a coleção estava quase pronta.
Mas quando a mudança já não é opção, liga-se o piloto automático e a magia da Moda acaba por acontecer.
Numa coleção de tons vivos e de streetwear que nos remete para a praia, intensa é assim "O que fica do que foi". Um trabalho onde são destacados os materiais de produção portuguesa, sustentáveis e deadstock.
E se, maioritariamente, as dificuldades surgem durante o processo de confeção, não é regra. A escolha de uma única ideia, um conceito, no meio de um mundo de hipóteses não foi uma decisão simples para Anabela.
Para trás ficou o seu processo singular - sem diretas, com mais frustrações a desenhar do que a costurar, no horizonte existem vastas possibilidades.
"(...) claro, que no fundo pretendo já ter começado o meu pequeno negócio de (...) mil e uma coisas que se podem fazer com 1 metro de tecido, agulha, linha e tesoura!"
Uma nota sobre gratidão
Algo que atravessa todos os testemunhos - escritos, em Zoom ou gravados em áudio - é a gratidão à professora Eduarda.
Em cada resposta que revi, revi grande parte da minha vida em pequenas experiências. Juntando as respostas aqui transpostas e as que virão, "Eduarda" - por vezes sem o "professora" ou "professora Eduarda" - são expressões de amor e enorme admiração por quem soube guiar, moldar, entender e nutrir o crescimento de todos e cada um.
E como não amar quem nos deu asas para voar?
(Continua...)
Com amor,
Vera Lúcia