Entre Desfiles, Dissertações e IA: Confissões de Uma Designer que Escreve

Entre Desfiles, Dissertações e IA: Confissões de Uma Designer que Escreve
Ilustração: autora.

E se invertêssemos os papéis com a IA? É mais ou menos isso que vamos fazer na newsletter desta semana. Calma, continua a ler, que está uma pessoa a teclar, tão humana que a mão esquerda só domina as teclas A, Z, Q, S e Caps Lock.

Primeiro, vamos deixar uma coisa clara: a Inteligência Artificial é uma ferramenta. Como qualquer ferramenta, só mina ou liberta a nossa criatividade na medida em que o permitirmos. Vivo na era digital e tão depressa escrevo à mão como uso a IA – na verdade, escrevo mais à mão…

Mas vamos ao storytelling de hoje. Como gosto de experimentar as diversas ferramentas (menos o AutoCAD), experimentei o Claude AI para me ajudar com o meu crónico problema de colocação de vírgulas e pontuação no geral. Claro que ainda precisa de passar por uma edição humana (a minha mãe)! 

Como muitas boas ideias – não estou a classificar –, nascem do acidente, foi o que aconteceu aqui. Portanto, se pedir feedback e não especificamente que corrija a pontuação, o que vai acontecer é despejar informação.

Dessa avalanche saíram estas três premissas:

  • Gerir o imposter syndrome como voz independente no Sistema de Moda
  • Construir a tua própria voz no meio da multidão de críticos de moda
  • Comunidades criativas digitais vs. trajetórias tradicionais na indústria da Moda

Obviamente que não foram as únicas ideias que o senhor espartilho, de forma artificial, sugeriu que dariam bons artigos.

Contudo, este é o meu projeto e, portanto, fiz a minha curadoria. Daí ter juntado tudo nesta amálgama.

Ilustração: autora.

Construir a tua própria voz no meio da multidão de críticos de moda

Usar a voz que cada um tem e partilhar perspectivas e opiniões parte de reconhecer o posicionamento que se tem – sou designer de Moda. Sempre fui opinativa e sempre gostei de comunicar as minhas visões.

Muitos designers de Moda, em contraponto, não têm por hábito expressar-se por escrito. São muitas vezes tidos como tímidos ou introvertidos, havendo exceções amplamente conhecidas.

Modéstia à parte, a perspetiva singular já existia e começou lentamente a ganhar forma. Estudar Design de Moda era o meu lugar no mundo, mas, ao mesmo tempo, contribuir com o meu grão de areia para a promoção do talento na Moda portuguesa também era uma missão a abraçar.

Ou seja, quando defini o tema da minha dissertação, estava também, inconscientemente, a definir um percurso, um lado da passerelle.

Para lá de comentar a Moda, há que contribuir para a diversidade e veracidade das narrativas. A multiplicidade de estórias do mito "O Diabo Veste Prada" são apenas uma parte da verdade do contexto Moda.

A "voz única" advém de vários fatores idiossincráticos de cada criativo/criador de Moda. Obviamente que não sou a única pessoa que, tendo estudado Design de Moda na Universidade de Lisboa, escreva sobre Moda, ou designer que o faça.

Mas cada um tem a sua própria, que cria a tal voz e a tal visão. Combinando o zeitgeist vivido, as preferências, a formação…

A minha fórmula seria algo assim:

Ser uma menina curiosa e cheia de sorte que assiste a desfiles na ModaLisboa desde os 11 anos

+

Licenciatura em Design de Moda na Faul

+

Incluir a minha vivência como pessoa com uma deficiência no meu trabalho criativo nos seus diferentes meios 

+

Uma rede de apoio familiar de amizades magnífica e genial

+

Short Course de Design de Moda na CSM 

+

Short Course em Fashion Business 

na CSM

+

Vivenciar a pandemia

+

Habituar-me ao WFH

+

Business Class com Sophia Amoruso 

+

Mestrado em Design de Moda na Faul (coleção e dissertação incluídas)

+

Gosto pelo digital

+

Descobrir o modelo das newsletter e do Substack

+

Tentar lembrar-me da necessidade constante de iterar

+

(…)

=

A “voz única” de critica/ comentário de Moda da Vera Lúcia

Ilustração: autora.

Gerir o imposter syndrome como voz independente no Sistema de Moda

Mentiria se dissesse que o imposter syndrome não existe ou que a mim não me assiste, mas não é, no meu caso, algo extremo. Ou seja, eu não penso que ninguém vai querer ler o que eu tenho para dizer… Digamos que sou uma ansiosa otimista.

Não deixa de ser um contra-senso o ensaio que agora lês: durante a concepção desta edição, o imposter syndrome não me deu paz. Pelo uso da IA que te ia levar a pensar que não sou boa profissional e que irias cancelar a tua subscrição (please, não)!

Quando o Imposter Syndrome é muito falador, como faço? Tento ter uma linha de pensamento que é mais ou menos assim:

Queria estar a fazer outra coisa?

Queria dedicar-me a outro projeto que esteja no meu raio de ação realizar?

A resposta é não, pelo que continuo – mesmo que não me torne viral, alguém se sentirá inspirado, mesmo que só uma pessoa.  

Na Moda, podes sempre juntar-te ao círculo, criar a tua cadeira ou banco ou o que for.

Ilustração: autora.

Comunidades criativas digitais vs. percursos tradicionais na indústria da moda

A meu ver, em Portugal, existe uma ideia de carreira corporativa associada à Moda. Aqui, muitos designers têm micro-empresas que se mantêm ao longo do tempo estáveis na sua pequena escala. Algo que é natural no tecido empresarial português. 

Assim, para lá de uma indústria, a minha experiência relativamente ao cluster de Moda, no qual sempre me senti inserida, considero que seja acima de tudo uma comunidade metafisicamente criativa.

Além disso, hoje em dia, com estudos como os da 1 Granary – Issue 7: "This is not about you(th)" –, percebemos que o trabalho de design nas Marcas de Luxo não é o culminar do sucesso. Nem é garantia do mesmo a progressão dentro dessa mesma até ao cargo de Diretor(a) Criativo(a). Veja-se o caso de Virginie Viard. Como braço direito de Lagerfeld durante mais de 30 anos, quando entrou para a Chanel como estagiária, viu o seu trabalho valorizado. Ao leme da marca, não encontro o ponto de reinvenção da marca numa direção criativa que durou apenas 5 anos.

Posso dar opiniões e comentar… Ser até arbitrária, por vezes, na minha curadoria, mas tento sempre acrescentar algo que, independentemente de ideais de certo ou errado, não sejam meros "achismos".

O que as newsletters e plataformas como o Substack acrescentam é uma nova forma de criar partindo de uma forma de vida feita de pequenos recortes singulares que se consubstancia em algo que não é necessariamente mainstream. Por exemplo, se todos falarem do Met Gala, eu vou falar, mas amplamente não o farei a quente, a competir por "espaço viral".

Encontrar a própria voz não é assim tão linear como acreditar na própria opinião. Quando nos habituamos ao meio académico, acabamos por validar mais algo que outros disseram, escreveram ou estudaram.

Ainda que estas premissas sejam pertinentes, mostram que a Inteligência Artificial não cria o mesmo tipo de raciocínio que nós, humanos. Porque, na verdade, o que é um percurso de carreira em Moda? Especialmente em Design de Moda? Se não for ser independente, nas diferentes formas de criação… Será fazer parte da equipa de design de uma cadeia de fast fashion ou de uma Marca de Luxo?

O que pretendo com este artigo? 

Sim, não deixa de ser um ensaio pessoal, apesar de tentar que não seja uma ego trip. 

Um exercício que lembra um pouco um blog dos anos 2000, mas que pretende demonstrar que todas as ferramentas podem ser uma aliada se usadas com contenção.

 Obviamente, o combater do meu imposter syndrome e o encontrar da minha voz está muito ligado ao teu feedback. 

E tu, como geres o imposter syndrome? Como usas a IA criativamente?

Para a semana envio-te um "ensaio erudito", como lhe chamou, recentemente, uma subscritora. Não é um elogio original?

Com amor,

Vera Lúcia