Catarina Craveiro - no momento certo, à hora certa

Catarina Craveiro - no momento certo, à hora certa
Créditos das imagens: aqui.

Dou-vos as boas-vindas à primeira edição de uma série de artigos dedicada à Comunidade em torno do The Fashion Standup. Para começar esta antologia de estórias escolhi uma colega e amiga de faculdade que se revelou um dos maiores apoios a este projecto.

Obviamente, que não foi só por isso que decidi conversar com a Catarina Craveiro, desde que terminámos a licenciatura que acompanho o   seu percurso  pelas redes sociais e sempre admirei o trabalho que tem vindo a desenvolver como studio assistant na marca Béhen. Uma marca portuguesa independente, assente no design de Moda ético e com princípios de responsabilidade social e ambiental, que reaviva as tradições e que transforma os têxteis mais típicos em peças modernas de desejo e sustentáveis, trabalhando de perto com artesãos e comunidades locais. 

Felizmente, Joana Duarte tem participado de várias conferências, sendo frequentemente entrevistada pelo trabalho que desenvolve. E, como, nenhum artigo que se escreva sobre a Moda independente é demais, hoje vamos conhecer a studio assistant da marca.

Nunca a independência foi tão necessária como actualmente. Para que continue a existir no Sistema de Moda tem de existir a comunidade que a faz acontecer. Como contributo para que se mude a narrativa e a ideia pré- concebida de muitos estudantes  que só os designers fundadores de uma marca tem real impacto na Moda, chegou o momento de vos revelar os pontos mais importantes da minha conversa com a Catarina. Mesmo que, como diz Nara Aziza Smith, só inspire uma pessoa, já valeu a pena.

Quando olha para trás, do momento presente até ao final da licenciatura e, para o seu percurso de quase três anos, na Béhen, considera que aproveitou o momento certo à hora certa. Mas não se esquece que a responsabilidade de trabalhar muito e ser dedicada sempre foi uma mais valia. A designer não hesita em reconhecer as próprias capacidades ou em detectá-las nos seus pares: 

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“Muito trabalho. É isso desde o início ,  acho que temos sempre esse peso, não sei se da responsabilidade eu diria, e por isso eu acho que posso falar por mim, mas acho que por ti também sempre sentimos esse peso da responsabilidade de trabalhar para chegarmos aonde nós queríamos e quais eram os nossos objetivos.”

Sempre sentiu que tinha muito a aprender e defende que essa capacidade nunca deve abandonar um profissional de Moda. Não nega que, obviamente, se tornou mais madura ao longo do seu percurso. E, que pouco demorou ,desde que entrou na universidade até ter o reality check de que o sucesso do dia para a noite não existe. 

Para a Catarina, ter um foco/ área de expertise sempre foi uma mais valia. No seu caso, a modelagem foi a área em que apostou. Graças a tal aprendizagem encontrou uma mentora a quem é muito grata, a sua professora Helena  Quinan, na Modatex. Assim como Joana Duarte que, na vida da nossa protagonista desempenha diferentes papéis de chefe a amiga, sem esquecer a vertente de mentora desta designer e talentosa modelista.

Aos 24 anos, é responsável pela modelagem da Béhen e de orientar as estagiárias que passam pelo estúdio. Apesar da idade, a experiência é mais que suficiente, para não duvidar, que é difícil converter um estágio numa posição efectiva. Uma vez que, para marcas pequenas um novo cargo tem significar uma grande mais valia que se traz para a empresa. 

Créditos das imagens: Esquerda.Direita.

Uma das dificuldades que sublinha na sua actividade diária é transmitir a ideia que corresponde à realidade de que trabalhar em Moda, ou numa marca independente de Moda, não é sinónimo de passar o dia inteiro a desenhar ou fazer moldes. A realidade é que trabalhar em Moda, no quotidiano, é repleto de tarefas banais.  Sendo que quem  faz um estágio ou está na posição de assistente, numa empresa que tenha um tamanho megalómano, deve estar preparado, sem preconceitos, para fazer um pouco de tudo. 

Para a nossa interlocutora, servir cafés nunca foi uma experiência comum. Já fazer a manutenção de uma máquina ou manter o estúdio limpo são tarefas que leva tão a sério como o molde mais complexo. Talvez esta ideia mais verídica  da realidade seja algo que tenha de ser solucionado na Academia, já que ninguém nasce ensinado e de facto muitos jovens acreditam que a sua imaginação corresponde fielmente à realidade. 

Em contraponto, não são raras as vezes, que tem de se contrariar as metodologias que foram aprendidas na faculdade para se chegar a novas soluções para os problemas que surgem. Problemas que podem surgir da criatividade, dos novos materiais que se desconheciam até então. Ou, serem inerentes da velocidade exorbitante  da própria Moda, onde despontam questões tão disruptivas que a receita para a solução não nos havia sido dada. Há que misturar as várias ferramentas e um conjunto de competências vasto com a sorte…

Créditos das imagens: Esquerda. Direita: Catarina Craveiro.

Por pouco saudável que possa parecer, é impossível negar que para quem trabalha em Moda, não havendo exceções nas intervenientes da conversa que foi a base deste artigo, o seu trabalho é grande parte da sua vida. Catarina Craveiro sabe que, não existindo “para sempre”, levará sempre a Béhen consigo. E acredita que a sua impressão  digital ficará na marca, segundo a própria nem que seja pelos seus moldes. Mas todos sabemos que será muito mais do que isso.

Como conclusão da nossa conversa tivemos um diálogo, ligeiramente frenético sobre as nossas visões sobre o agora e sobre o futuro da Moda. Deste diálogo poderão extrair-se inúmeras conclusões, mas essas ficaram do lado dos destinatários deste texto. Por isso começámos pelo o que é que a Catarina diria às novas aspirantes a designers de Moda, que possivelmente, ainda estão a estudar:

-Olha, dizia-lhes o  que digo a todas as meninas que passam por nós. Eu acho que a Moda,  pelo menos em Portugal, ainda estamos muito focados na parte do design, que é sem dúvida uma parte muito importante. Mas ainda não temos que dar a capacidade da resposta a todas as pessoas que querem ser designers de moda, e a não ser que tenham realmente a capacidade e o privilégio de conseguir estudar para fora e entrar em marcas que sejam muito maiores do que aquilo que nós vemos aqui em Portugal. Eu acho que o ideal é focarem-se nessa parte mais técnica. Ou seja, não é só modelagem, há tanta coisa que as pessoas, quando estão na universidade, nem sequer pensam, desde desenhos técnicos, ou seja, alguém tem que fazer os desenhos técnicos, alguém tem que criar tipos fechos..

-… alguém tem que escrever sobre o que é que é feito. 

Créditos das imagens: Esquerda. Direita: Catarina Craveiro.

-alguém tem que escrever, tirar a fotografia, styling não digo (…) acho que essa lacuna já está preenchida. Mas pronto mesmo a parte editorial, ou seja, de fazer eventos... 

-Ou até promocional, também. 

-Exatamente, ou seja, há tanta coisa ligada à moda… fazer peças (figurinos) para o teatro, peças para filmes, há tantas oportunidades que as pessoas realmente focam-se em serem designers de moda, mas esquecem-se que o designer de moda  não faz nada sozinho... Não vive sozinho, não é? Não vive sozinho, não trabalha sozinho, um designer de moda sozinho consegue fazer se calhar cinco peças, mas passar daí a fazer 100, acho que não, sozinho é impossível. E é isso, há tanta coisa para explorar, mesmo em parte de fazer os prints, a tinturaria... 

-E não achas que... Essa questão de se querer ser designer… não achas que tem muito a ver também, com essa ideia que só o designer é reconhecido, só... 

-Sim, claro que ainda existe muito esse estigma, principalmente na parte da costura, que há uma grande falta de pessoas jovens nesta parte da costura, ou mesmo mais ligada à Béhen, a parte dos bordados, coisas mais artesanais. Mas, claro que com o tempo, espero eu, que isso mude muito, e as pessoas realmente sejam valorizadas de outra forma, mas eu acho também que é muito um estigma e que na realidade não é assim tão linear, eu acho que se consegue ter uma boa carreira em qualquer outra área, sem ser designer de moda. 

-E que acabe em moda no fim?

-Sim, até melhor do que se for designer e tivesse uma marca, porque a verdade é que as marcas vejo cada vez mais, não são fáceis  de sustentar ou de gerir, principalmente assim, num país como o nosso, não é? A não ser que se tenha muito investimento inicial, que acho que não é o caso para a maioria dos designers, não é?

-Exatamente. 

Créditos das imagens: Esquerda.Direita.

-É muito difícil impulsionar uma marca assim. 

-E depois mesmo o investimento, ou tens que ter retorno, ou menos ,tens “pais ricos” que te dêem o dinheiro, ou tens que retornar o investimento, ou tens que pagar o empréstimo, ou tens  n coisas.

-Sim, as pessoas não se podem esquecer que na verdade ter uma marca é ter um negócio, não é? É uma empresa que tens de gerir, e se tiveres pessoas ao teu  cuidado, ainda mais não é, porque tens que pagar salários, tens que pagar o sítio onde tens o estúdio, ou seja, é fácil ter uma marca pequena, mas daí a viver da marca vai um grande salto, não é?

-Exato.

Adoraríamos que te juntasses a nós nesta conversa, nos comentários ou nas redes sociais.

Até breve!